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“10 SEGUNDOS PARA VENCER” – Lutadores lutam, campeões vencem

Eder Jofre teve uma carreira tão vencedora que é até hoje conhecido como um dos maiores boxeadores da história – ao lado de, por exemplo, Muhammad Ali e Sugar Ray Leonard, dentre outros. A proposta de 10 SEGUNDOS PARA VENCER é retratar a vida e a trajetória profissional de Jofre, tendo muito mais êxito na segunda parte do que na primeira.

Intrincadas entre si a vida privada de Jofre e sua carreira profissional, o percurso enquanto lutador é muito mais claro, vez que objetivo. Algumas questões acabam sendo minimizadas ou se tornam obscuras. Por exemplo, a cena em que ele é ridicularizado nos EUA ao ser apresentado como desafiante é uma passagem quase deslocada, cujo propósito narrativo é apenas demonstrar que o subestimaram (além de expor o preconceito), sem maiores problematizações. Também o relacionamento com a esposa não ganha muitas camadas pelo roteiro: embora inicie sugerindo um desconforto dela em relação às lutas, o que realmente acaba gerando atrito para o casal são os treinos, que geram a ausência dele, não o boxe.

Não que o roteiro de Thomas Stavros seja ruim: o prólogo in media res tem muito mais propósito estilístico na direção do que narrativo, mas a primeira metade do longa (mais distante desse início) é muito bem desenvolvida. Na infância de Eder, seu tio Zumbanão (Ricardo Gelli, que vai bem no papel) é uma espécie de ídolo que acaba sendo substituído ao constituir um exemplo de frustração. A fase infantil do protagonista também é relevante para expor sua infância difícil, catapulta para a sua busca pelo sucesso. Embora seu irmão Doga (Rafael Andrade Muñoz, que aparece pouco) tenha sido fundamental, de certa forma, foi o empurrão que faltava para a decisão que mudou a vida de Eder, aliado à insatisfação quanto à própria condição financeira (simbolizada pelas roupas).

Daniel de Oliveira é um dos melhores atores brasileiros em atividade, com um currículo muito bom no cinema. Seu Eder Jofre parece vacilante quanto às próprias decisões, pois se empolga com a chance de estudar desenho – o que alegra apenas a mãe (Sandra Corveloni, discreta, mas eficiente) -, mas opta pela dedicação ao boxe. A rigor, não fica muito claro se a luta foi uma decisão consciente em relação às consequências ou se resultou de momentos pontuais (o fracasso do tio e a necessidade do irmão). O texto sugere que Eder virou boxeador muito mais pelas circunstâncias, sobretudo o envolvimento familiar, do que por opção própria.

Nesse sentido, Kid Jofre, pai do protagonista, foi peça chave em suas decisões. Osmar Prado interpreta bem o papel, todavia o sotaque argentino é forçado, de modo que teria sido melhor escalar um ator argentino que falasse português (ou “portunhol”) para o papel. Carrancudo e de expressão sempre fechada, Kid é a personagem mais completa: consegue ser afetuoso ao prometer um carrinho de bombeiro, mas implacável ao fazer o filho decidir entre um encontro e “ser campeão” (com o exagero inerente à sua rigidez). O cigarro faz parte da composição da personagem para representar a sua inquietude, porém é em seu discurso que o roteiro tem grande riqueza – como quando ensina para o filho que o cinturão de campeão tem um peso, cabendo a Eder decidir se vai carregá-lo ou não. Os métodos de Kid são desumanos (em especial a torturante desidratação) e, do ponto de vista de Angela, mãe do protagonista, o filho provavelmente apenas subiu em um ringue em razão do pai que tinha. Tanto faz: Kid fez de Eder muito mais que um lutador, o filho se tornou um campeão que fez história.

A direção de José Alvarenga Júnior abusa de ferramentas estilísticas, nem sempre acertando. As imagens e preto e branco servem apenas quando reais, flertando com o documental, enquanto que, quando simuladas, às vezes perdem o propósito (em uma sequência em especial). Nas cenas de luta, a câmera fica bem trêmula, sem incomodar, não havendo exagero de cortes. A abordagem é intimista na parte dramática (com muitos closes) e evita planos muito abertos, o que transmite a ideia do ringue, que não tem muito espaço. A montagem tem bons raccords principalmente na primeira parte (da infância ao auge), não tendo o mesmo esmero na segunda (do auge em diante) – as transições de brigas de rua demonstram sagacidade do montador Sergio Mekler, cujo trabalho cai um pouco de nível em razão do roteiro inconstante. Igualmente, a fotografia de Lula Carvalho tem dois momentos bem distintos, acertando muito na primeira parte, com uso intenso de tons pastéis e iluminação parcial, limitando-se no emprego de cores frias dali em diante.

A direção de arte de Cláudio Domingos vai bem nos cenários (as paredes rachadas na casa onde Eder passou a infância representam um toque sutil, mas eficaz), assim como também são bons os figurinos de Marcelo Pies, fiel a uma época em que os homens usavam mais roupas formais e, não raras vezes, bem folgadas. Berna Ceppas elabora uma boa trilha musical original, enquanto a edição de som se empolga em demasia em alguns momentos – e erra, como quando Eder coloca as mãos na corda do ringue, parecendo não ser uma corda, mas um material de couro. Nada que atrapalhe a experiência de acompanhar a cinebiografia não de um lutador, mas de um campeão.