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À ESPERA DO PRÓXIMO CAPÍTULO

A experiência cinematográfica tem suas peculiaridades. A sala escura, a grande tela, o envolvimento com a obra naquele ambiente. Um “gritinho” sussurrado duas fileiras à sua frente e uma gargalhada na poltrona do lado. Tudo isso para acompanhar uma história com começo, meio e fim. Porém, esta última parte não se trata de uma regra. Embora a experiência vivida dentro de uma sala de cinema clame por uma história fechada, ela pode fazer parte de algo maior. O importante é estarmos diante de uma história que se conclui dentro de si mesma.

Tomemos como base a trilogia “O Senhor dos Anéis”. A história criada por Tolkien e dividida em três partes foi levada aos cinemas por Peter Jackson entre os anos de 2001 e 2003. O mais significativo dos filmes, ao se analisar o roteiro, é a segunda parte: “As Duas Torres”. Por se tratar de um segmento que liga o início da aventura com o seu desfecho, esta obra corria o complicado risco de ter um começo em andamento e acabar sem um final. E embora tal situação ocorra ao se analisar a obra como um todo, isoladamente, o filme é fechado dentro de sua própria narrativa. Tal regra precisa ser considerada como principal argumento ao se construir uma cinessérie.

Ultrapassar a barreira do evento pontual que o cinema tradicionalmente oferece é um risco. Afinal, para o público, os conflitos apresentados no filme precisam ser resolvidos. E quando se pensa em fazer sequências ou continuações, estas precisam estar em sintonia com o que já foi estabelecido. Há a necessidade de manter uma mínima ordem no universo criado.

E, ao desconsiderarmos adaptações de séries literárias – como a já citada trilogia “O Senhor dos Anéis” ou “Harry Potter” -, eleva-se o desafio de criar uma obra genuinamente coesa. Primeiro pelo fato de que tais cinesséries não surgem com tal proposta. Trata-se de uma consequência do sucesso comercial de um filme. E as tradicionais sequências também não costumam ser pensadas com a ideia de se criar uma série. Porém, quando se estabelece uma trilogia, já há conteúdo o suficiente para tanto.

Uma curiosa (e extremamente bem sucedida) exceção são os filmes da série “Star Wars”. De fato, o primeiro filme foi concebido de forma isolada, não estando os episódios “V” e “VI” nos planos iniciais. Porém, com o enorme sucesso de “Guerra nas Estrelas” (que de tão fechado em si, não possuía nem subtítulo, muito menos número do episódio), George Lucas não tardou para construir duas sequências. O fenômeno que se tornou a aventura inicial de Luke Skywalker deu origem à saga que seria a essência de Star Wars pelas próximas décadas. E mesmo funcionando de maneira isolada, “Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca” e “Star Wars: Episódio VI – O Retorno de Jedi” fazem parte de um arco muito maior que os próprios filmes.

Na contramão da excelência criada por George Lucas, temos “Duro de Matar”. A série de filmes que tem um início brilhante, com duas das melhores sequências da história do cinema, no seu quarto capítulo entrega um bom filme de ação – que clama por alto nível de suspensão de descrença – mas que destoa completamente dos anteriores. Aqui vemos John McClane (interpretado por Bruce Willis) realizar feitos que estão muito além do que o policial era capaz de fazer antes. O que havia sido estabelecido é posto de lado, para que a personagem possa usufruir de mais possibilidades para a ação. Este é o maior dos pecados que uma cinessérie pode cometer. É um ato contra si mesma.

E ao se pensar em outra série de ação, é possível entender melhor a fraqueza cometida em “Duro de Matar”. “Missão Impossível” soube, ao longo dos anos (e dos filmes), crescer dentro dos próprios conceitos. Há uma crescente gradual, mas plausível (novamente, dentro do que nos foi estabelecido nos primeiros capítulos), na ação que faz com que o público consiga enxergar a mesma personagem do primeiro filme no último. Ethan Hunt (Tom Cruise) é mais corajoso que prudente. E mais determinado que habilidoso. Essas características justificam cenas absurdas. Não se trata de uma megalomania cinematográfica, mas sim de soluções rápidas para situações urgentes.

O desafio de manter a coerência, tanto narrativa quanto das personagens, é o que define boas cinesséries. Ao mesmo tempo, há o grave risco de que os filmes fiquem limitados às amarras de sua fundação. E pior do que filmes que vão além do estabelecido, são filmes que não arriscam ousar. “A Hora do Pesadelo” é particularmente bem sucedida em não ser bem sucedida. Com uma das premissas mais poderosas do cinema de horror, os filmes, um após o outro, se perdem em roteiros infelizes com desfechos previsíveis. O vilão, o terrivelmente (no bom sentido) caricato Freddy Krueger (Robert Englund e Jackie Earle Haley), é mal utilizado e as consequências parecem não atingir verdadeiramente ninguém. Ou se morre ou sobrevive. O resto é resto.

Mas enquanto alguns queimam por dentro, somos constantemente entregues a novos universos que expandem de maneira criativa e cativante. “Máquina Mortífera”, “Mad Max”, “Robocop” (desconsiderando o reboot/remake) e “Loucademia de Polícia” são apenas alguns exemplos de cinesséries que passaram por excelentes atualizações ao longo dos filmes. Evoluindo roteiro a roteiro, sem deixar de lado a essência e sem se prender demais a ela.

Outros casos, como “Toy Story”, se beneficiam do próprio formato. Uma animação pode se permitir subir para patamares mais elevados, embora também deva respeitar suas origens. Basta olhar para outro caso que não soube crescer: “Meu Malvado Favorito”. E nesse caso o erro é tão infeliz quanto “A Hora do Pesadelo”: ambos se sustentam inicialmente num vilão, mas, enquanto o senhor dos pesadelos não sabe utilizar de forma criativa seu poderes, Gru (dublado por Steve Carell) se esquece que sua essência está na vilania. O divertido personagem, com a poderosa arma narrativa do pensamento dúbio, se perde a cada novo filme.

Enquanto isso, vemos uma evolução narrativa em “Toy Story” que o torna uma das mais bem construídas animações da Pixar/Disney. Isso, é claro, pelo simples fato de estarmos assistindo à uma saga de brinquedos, colocados em diferentes contextos, que faz com que eles precisem utilizar suas habilidades específicas para resolvê-los. No final, o que estamos assistindo são as nossas próprias brincadeiras de infância com os mesmos bonecos (ou seus equivalentes), o que torna tudo mais crível. E a própria evolução de personagem que acontece tanto dentro dos próprios filmes (Woody começa arrogante e ciumento para terminar o primeiro filme reconhecendo a importância dos demais brinquedos, enquanto Buzz Lightyear descobre o que é necessário para poder voar), há uma mudança a cada filme. Assim como acontece com Luke Skywalker, Ethan Hunt e tantas outras personagens de cinesséries, os arcos menores influenciam no arco maior.

E para não se limitar às personagens e aos enredos, a identidade de uma cinessérie também pode ser preservada através de trilhas sonoras, como observamos, novamente, em “Missão Impossível”, que atualiza temas de personagens e refina o tema principal. Existe o figurino, que pode ser simples como o do T-800 (Arnold Schwarzenegger) em “Exterminador do Futuro”, ou espalhafatosa como a de Austin Powers. Ou mesmo pela fotografia, como em “Alien”, que é constantemente utilizada para reforçar a sensação de claustrofobia. O que importa é que existam elementos que permitam o público conectar o filme além do próprio título.

Embora a experiência no cinema exija uma entrega completa a cada sessão, não podemos negar a importância que as cinesséries assumiram para o entretenimento, principalmente quando ignoramos as adaptações e nos mantemos atentos ao cinema. Respeitar o trabalho já realizado e conseguir ampliá-lo é uma tarefa complexa, mas que que constantemente nos oferece resultados excelentes. Não à toa seguimos torcendo pelo sucesso de Ethan Hunt, mesmo sabendo seu modus operandi (e ficamos tenso a cada novo filme). Afinal, nunca descobrimos seu limite. Resta aguardar.