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“A ESPIÃ VERMELHA” – Aprazível, mas esquecível

O que significa trair a própria pátria? Se o fim almejado for um bem maior – a nível mundial -, revelar segredos de Estado seria traição? Para Melita Norwood, conhecida como “a vovó espiã”, a resposta é negativa. A ESPIÃ VERMELHA é um retrato ficcional (isto é, em formato diverso de documentário) da funcionária britânica acusada de ser espiã da KGB antes e durante do período conhecido como “Era Atômica”.

O filme se inicia com a prisão de Joan Stanley (nome ficcional de Melita), uma idosa acusada pelo Serviço Secreto Britânico de trair sua pátria ao revelar informações confidenciais. Ao ser interrogada, ela se recorda de um passado que achava estar enterrado.

Cartaz de “A espiã vermelha

A opção em dividir a trama em dois momentos da vida da protagonista não é inovador, mas é sabidamente funcional. Aqui, porém, o roteiro de Lindsay Shapero dá primazia desmedida ao passado de Joan (que, de fato, é bem mais movimentado e instigante), tornando-se superficial o arco dramático da sua versão idosa. Na prática, isso limita bastante a matéria-prima da lendária Judi Dench, que reduz a sua atuação a um olhar evasivo e eventualmente distante durante o interrogatório.

Não se trata apenas de um desperdício do talento de Dench, mas também uma abordagem rasa das consequências do seu passado obscuro. No máximo, o texto mostra um conflito externo, que consiste na maneira pela qual Nick (Ben Miles, fraco) descobre que sua mãe teve uma vida da qual ele nunca desconfiou. Ou seja, não há conflito interno (ou, se há, é presumido e não mostrado).

Diversamente, o arco narrativo da jovem Joan é deveras rico e razoavelmente bem aproveitado – todavia, Sophie Cookson deixa a desejar no papel. Primeiro, ela é inserida em uma realidade não muito receptiva para uma mulher que quer se dedicar à ciência, ou seja, o machismo é exibido, mas sem grande enfoque. Segundo, ela vive duas fases bem distintas da vida ainda na juventude: na primeira, é uma moça ainda ingênua que se descobre no feroz mundo de efervescência política na universidade (que reflete, é claro, o contexto da época); na segunda, ela consegue um trabalho em sua área, que, contudo, exige confidencialidade e tem proporções muito maiores do que ela imagina. Ainda, nas duas fases, a vida romântica da protagonista é fio condutor, mesclada com a profissional.

Além disso, é na narrativa da jovem Joan que surgem coadjuvantes interessantes. Tereza Srbova é a primeira a aparecer como Sonya, uma colega universitária da protagonista que percebe nesta uma ingenuidade útil da qual se aproveita (já na sua entrada, inclusive). O design de produção assinado por Cristina Casali aproveita as duas personagens para uma contraposição das suas personalidades, especialmente na primeira fase (a universitária) da vida de Joan: esta é tímida e comedida, usando roupas de cores neutras e sem mostrar o corpo, praticamente sem maquiagem; já Sonya é muito mais segura e expansiva, com vestuário que mostra suas curvas, de cores vivas e maquiagem mais forte (por exemplo, ela nunca dispensa o batom vermelho).

Tom Hughes vive Leo, um universitário que demonstra interesse afetivo por Joan, cujo grande amor, porém, é a política. Não à toa, o apelido supostamente carinhoso pelo qual o jovem comunista a chama é “minha doce camarada”. O ator é discreto; a personagem, essencial para dar certa dubiedade a Joan. É graças a Leo que é possível questionar se o discurso idealista e deveras inocente da protagonista é uma justificativa formal para seus atos, enquanto sua motivação real é mais íntima, ou se o que ela fala reflete seu pensamento.

A direção de Trevor Nunn é um pouco vacilante na atmosfera (não consegue decidir se o filme é um romance, um drama ou um suspense). No mais, a fotografia noir de Zac Nicholson é fiel às próprias premissas, muitas vezes escurecendo os cantos do campo, porém escurece em demasia alguns planos. Considerando as duas linhas cronológicas da película, a montagem feita por Kristina Hetherington é certeira por se dividir em cortes secos e fusão para a transição (no primeiro caso, dentro da mesma linha temporal; no segundo, para demonstrar a subjetividade mental de Joan, como se flashbacks viessem à sua mente).

A espiã vermelha” alcança o objetivo duplo de dar notoriedade a uma história real (ainda que certamente mediante manipulação dos fatos) e de sugerir a reflexão sobre o efetivo significado de patriotismo em tempos bélicos. Ignorando um flagrante exagero (o longa praticamente atribui à protagonista a suposta paz mundial posterior à Segunda Guerra), há fidelidade no trabalho. Entretanto, a falta de consistência – ou, talvez mais precisamente, contundência – faz com que o resultado aprazível seja também facilmente esquecível.