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“A GRANDE MENTIRA” – Nem sempre é o que mais importa

Para algumas pessoas, o desfecho de um filme reflete quase a totalidade da avaliação feita sobre ele. Se o final é bom, o filme é bom – aplica-se o mesmo raciocínio se for ruim. Entretanto, alguns valem mais pela trajetória do que pelo destino em si. Nessa linha de raciocínio, A GRANDE MENTIRA pode ser um ótimo filme se excluído seu decepcionante desfecho.

No longa, Roy Courtnay é um golpista que encontra sua nova vítima, a viúva Betty McLeish. Embora ela se afeiçoe a ele facilmente, seu neto, Stephen, desconfia que Roy esconde algo. Quanto mais ele se aproxima de Betty, mais próximo fica de revelar seus planos e seu passado obscuro.

Imagem: Divulgação/WARNER BROS.

Ainda que possa parecer, o roteiro de Jeffrey Hatcher, que partiu da obra literária de Nicholas Searle, não é maniqueísta. Betty pode parecer caridosa em demasia, mas não é tão ingênua quanto parece à primeira vista (como quando ela rejeita sexo). No caso de Roy, ainda que ele não seja boa pessoa, o espectador é surpreendido com a sua audácia ilimitada (sem desconsiderar, é claro, a falta de escrúpulos). Consciente de si, ele não finge – ao menos para a plateia – ser herói, tampouco um homem desesperado por dinheiro. Ele aplica golpes porque quer e porque gosta da adrenalina do jogo.

Inquestionavelmente, o que o filme tem de melhor é a atuação bárbara da dupla principal. Ian McKellen fornece a Roy duas facetas principais: a do idoso carente e a do vigarista. No primeiro caso, o ator se destaca pela linguagem corporal, encurvando-se sobre a bengala e movimentando-se mais lentamente para parecer mais vulnerável para Betty – sem contar o sorriso aparentemente bondoso e a voz serena até mesmo quando finge ter uma terrível dor no joelho. Suas expressões se reduzem a alegria e dor. O outro perfil é oposto: ele anda mais ereto e mais rápido, manifestando um semblante de segurança e, quando necessário, ameaçador. Sua última cena é simplesmente soberba. O figurino escolhido Keith Madden ajuda a destacar a dupla personalidade habitando o mesmo corpo: o Roy frágil usa boina e roupas mais quentes (casaco e paletó de lã); o Roy trapaceiro se veste com ternos finos e retira a boina.

Por ter mais tempo de tela, McKellen se destaca um pouco mais que Helen Mirren, intérprete de Betty. Para o público, ele é desmascarado mais e mais, enquanto que ela, que também tem um backstory sigiloso, é muito mais retraída. Assim, enquanto ele precisa variar a persona durante a trama, ela só se revela ao final. A existência de um plot twist é mais do que previsível, mas não seus pormenores, no que o filme derrapa. É evidente que Betty não é uma idosa completamente indefesa, mas não é possível saber de antemão se ela tem noção da pessoa com quem está lidando. Tampouco não se sabe se Stephen tem fundamento para não gostar de Roy, ou se é pura antipatia. Russell Tovey se esmera para interpretar Stephen com solidez, porém a inevitável comparação com McKellen e Mirren escancara a obsolescência do seu trabalho. Há um abismo.

Se, no começo, as mentiras dos dois parecem pequenas (como em relação ao cigarro e à bebida), aos poucos, a atriz revela novas tonalidades da sua personagem – ou, como diz Roy, ela revela que “esconde o jogo”. Quando os veteranos contracenam, a tela explode em excelência artística. Tovey, diversamente, faz de Stephen alguém apressado demais, açodamento que prejudica algumas cenas (como a que ele chega no meio da reunião com Vincent). Porém, assim como os demais coadjuvantes, seu espaço é minúsculo: o filme é de Mirren e McKellen.

Além de belíssima, a trilha musical de Carter Burwell acompanha muito bem o ritmo narrativo. O diretor Bill Condon deixa os holofotes para a dupla principal e para o roteiro. Há momentos bem filmados – como a espetacular sequência de plano-contraplano em que os dois caminham em lados opostos da casa, divididos por uma parede, para se encontrarem ao final e adentrarem juntos ao mesmo recinto -, nada, todavia, que ganhe muito relevo. Quando existem flashbacks, a narração voice over é utilizada como amparo, pois a ação é executada por atores jovens.

Se a dupla principal não decepciona, o mesmo não pode ser dito do roteiro, que é apressado e estraga o final do longa. O desfecho recebe algumas pistas distantes (o filme a que eles assistem nos cinemas, o objeto de pesquisa de Stephen, o simbolismo dos lírios etc.), porém o plot twist vai muito além do que o público razoavelmente poderia imaginar, constituindo uma explicação inaceitável para a trama, ao menos da maneira com que aparece. Isto é, não é possível comprar uma resolução com um valor tão forte, mas que sequer havia sido introduzida antes.

O que ocorre no terço final do filme, portanto, sai da linha normal de desdobramentos construída na película, afetando sua conclusão (uma solução mais simples seria mais acertada, ao invés de uma invencionice como a que aparece). Entretanto, o desenvolvimento que o precede é sólido e permite o deleite com duas que estão entre as maiores estrelas do cinema. Nem sempre o final é o que mais importa.