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“A MORTE DE STALIN” – Uma política bem familiar

Seria a política igual em qualquer lugar? Seriam os políticos iguais em qualquer lugar? Em uma sátira inteligentíssima, A MORTE DE STALIN propõe um cenário governamental muito semelhante ao de hoje. O filme se passa em Moscou, em 1953, tendo como ponto de partida, é claro, o falecimento de Josef Stalin, Secretário-Geral do Partido Comunista e líder da União Soviética na época. Após esse evento, o Partido encontra dificuldades internas para encontrar um sucessor. Por mais incrível que possa parecer, esse argumento gera uma comédia.

A surpresa reside no fato de o roteiro partir de eventos reais e, com imensa liberdade poética, extrair humor mesmo contando com uma trama, em tese, séria. Afinal, tudo começa com um falecimento e continua com uma disputa política – sem adentrar no mérito sobre quem foi Stalin, tema sem importância para o desenrolar da trama. Fato é que o longa surpreende com piadas genuinamente engraçadas em um humor refrescante e original. Distante da escatologia repetida no gênero e sem apelações, o roteiro é engenhoso e sagaz ao colher humor da estupidez humana. Não que isso seja completamente original, mas o longa encontra a medida certa entre a pureza da imbecilidade, quase pueril, e o exagero que incomoda alguns espectadores.

O texto de Armando Iannucci não é exatamente hilário, mas é bem engraçado. Parcela do mérito vai para o competente elenco, que se divide em três grupos. No primeiro grupo estão os sérios, que conduzem a narrativa: Nikita Khrushchev, interpretado pelo ótimo Steve Buscemi, e Lavrentiy Beria, vivido pelo também muito bom Simon Russell Beale. “Nicky” e Beria estão em polos opostos do Partido Comunista e iniciam uma disputa pelo poder. No segundo grupo estão os idiotas, que têm em Georgy Malenkov – vice de Stalin e, portanto, Secretário interino – o melhor exemplo. Com o papel, Jeffrey Tambor recebe um espaço que não costuma ter para explorar seu elogiável talento cômico. Outro representante do segundo grupo é o Vyacheslav Molotov de Michael Palin, que ganha maior importância na segunda metade. No terceiro grupo estão os coadjuvantes que estão lá a passeio, como os filhos de Stalin, Vasily (Rupert Friend) e Svetlana (Andrea Riseborough). Ainda que eles consigam render algumas risadas, sua relevância na narrativa é diminuta – porém, ainda maior que a de Olga Kurylenko, que está lá para colocar o nome nos créditos.

O que torna o roteiro genial é que tudo não passa de uma metáfora para a política hodierna. No primeiro grupo estão os arquétipos dos políticos inescrupulosos e ávidos pelo poder, aqueles que não medem esforços para atingir seus objetivos – manipulando, chantageando, mentindo etc. Na segunda classe estão representados os políticos manipulados, aqueles que, desprovidos de inteligência, quando chegam ao poder, é por acaso e se tornam marionetes dos integrantes do conjunto anterior. É por isso, por exemplo, que “Nicky” precisa ter Molotov do seu lado, enquanto Beria tenta usar Malenkov. Quanto à terceira categoria de personagens, não podia deixar de estar retratado o povo, alheio às disputas ou, mesmo quando desconfiado, impotente. Não se pode deixar de mencionar que o desenvolvimento das personagens é muito bom, de modo que o tom caricatural combina com a comédia proposta.

Iannuci é também responsável por dirigir a película, não tendo muitos recursos para além do texto em si. Ainda assim, o cineasta consegue dar estilo à produção, como ao apresentar personagens em slow motion, transcrevendo o nome e a função e destacando a excelente trilha musical. O uso de câmera na mão é desnecessário, assim como os textos que prejudicam no ritmo. Quanto à montagem, as elipses dos extermínios com requintes de crueldade comandados por Beria (até então Ministro do Interior e da Segurança) é didática para ambientar o espectador no retrato da União Soviética comandada por Stalin – da mesma forma, a sequência inicial, mesmo destoando do enredo em si, é muito engraçada por ser inusitada.

Mesmo com uma fotografia que não deixa de aproveitar os belos cenários russos, é o design de produção que se destaca no visual, com figurinos imponentes e penteados engraçados. É recorrente o uso da cor vermelha (flores, cortinas, braçadeiras, bandeiras etc.) para representar tanto a morte quanto o próprio Stalin. Mesmo exagerando um pouco na duração, “A morte de Stalin” é um filme indicado para quem procura uma comédia de um texto inteligente o suficiente para usar a estupidez como ferramenta de subtexto. É um filme que mostra a política com cartas marcadas (as cenas de votação são estupendas) e dividida entre manipuladores, manipulados e vítimas. Soa familiar, não?