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A RESISTÊNCIA DE INGA – Uma mulher de coragem diante de inúmeras outras [43 MICSP]

São poucas as pessoas com a coragem suficiente para enfrentar aqueles que detêm o poder. Quando isso ocorre, ou elas ficam isoladas e perdem a batalha, ou ganham a adesão de outros e, assim, têm mais chance de mudar o status quo. A RESISTÊNCIA DE INGA tem como protagonista alguém com essa coragem.

Cartaz de “A resistência de Inga

Trata-se de Inga, uma fazendeira que decide confrontar uma cooperativa que manda na cidade. Diante das dificuldades financeiras, Inga não quer permanecer submissa ao monopólio criado pela cooperativa. Ao iniciar a luta, contudo, ela enseja uma repressão muito forte e não parece encontrar quem esteja disposto a fazer o mesmo.

Arndís Hrönn Egilsdóttir não parece ser a escolha ideal para o papel, pois a atriz se limita ao viés combativo de Inga, deixando a desejar no lado humano (mesmo nas cenas em que esse aspecto é enfatizado, como quando ela chora no colo da filha). Desde as primeiras cenas, fica claro que a protagonista leva muito a sério o seu negócio, não se furtando dos serviços mais braçais (como o parto de um bezerro), tampouco dos burocráticos (não largando o laptop mesmo quando o marido vai dormir). Seu perfil inicial é retratado como uma workaholic, já que quer falar da fazenda mesmo quando o marido quer comer tranquilamente.

Mas Inga é muito mais que uma workaholic. A quebra do monopólio se torna, usando um jargão popular, “questão de honra”. Em seu figurino, o macacão azul destaca sua rotina de trabalho (como se ela estivesse sempre no labor), enquanto o lenço vermelho ressalta a sua disponibilidade para o confronto – não por outra razão, o diretor Grímur Hákonarson (também responsável pelo roteiro) utiliza elementos sutis da composição para criar simbologias, como o roxo dos figurinos iniciais (cor que geralmente representa algo fúnebre) e o trator vermelho da cena do leite.

A fotografia exalta as paisagens gélidas da Islândia, o que combina com a realidade hostil em que Inga vive. Há lances que sugerem machismo (por exemplo, quando ela é chamada de “vaca velha” e “desequilibrada” ou na cena em que aparece um homem trabalhando em sua propriedade porque se sentia autorizado por um terceiro), mas o script prefere não verticalizar no tema. Esse, aliás, acaba sendo um problema considerável da película: a despeito da coerência da espinha dorsal da narrativa, os aspectos periféricos são negligenciados em demasia. Poderiam ser tratados assuntos como as relações pessoais em cidades pequenas (abordando, nesse sentido, a repercussão do que Inga posta em suas redes sociais) e a sujeição das pessoas ao opressor (mas não, o filme fica apenas na disputa bilateral). Como resultado, o longa é unidimensional e claramente maniqueísta: Inga é vítima da malvada cooperativa que quer o domínio de tudo e de todos. Não que isso seja um delírio (muito pelo contrário), mas a trama se tornaria mais palpável se fossem mostrados alguns dos benefícios da cooperativa.

Se o objetivo de “A resistência de Inga” é moldar uma protagonista feminina forte e exemplar, talvez isso até apareça, mas em uma obra claramente descartável diante de inúmeras outras focadas em mulheres inabaláveis. Nada na produção consegue ser inovador, surpreendente ou mesmo contundente, o que faz com que o desfecho perca muito de seu potencial. Ironicamente, é a parte da película que mais foge da mesmice e pode causar alguma reação no público – o que, todavia, é inócuo depois de tudo o que a precede.

* Filme assistido durante a cobertura da 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.