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“A VIDA EM SI” – Tristeza não tem fim, felicidade sim

Começando pela parte elementar, questiona-se: o que é a vida em si? Evidentemente, essa pergunta não é nem um pouco fácil. Assim como não é fácil acompanhar o turbilhão de emoções que o filme A VIDA EM SI representa, uma concomitante visita a vidas alheias fictícias (mas que tranquilamente poderiam ser reais) e, provavelmente, também à vida de cada um.

Contado em quatro capítulos, o drama se inicia com um jovem casal, em Nova Iorque, indo até uma família na Espanha, de modo que há uma conexão entre todas as personagens. Trata-se de uma antologia dramática (bastante dramática, alerte-se) que reúne as pessoas – todas elas, inclusive, mediatamente, o espectador – em torno de eventos e emoções profundas, gerando uma sólida conexão sentimental.

Cartaz do filme “A vida em si

O primeiro problema do longa reside justamente no aspecto sentimental do roteiro: Dan Fogelman concede ao seu texto doses colossais de tragédias – algo digno da tríade Ésquilo-Eurípedes-Sófocles -, sem muitas concessões (faltou apenas o embalo do fado menor). A rigor, há um melodrama travestido de drama, uma elevação desmedida da desgraça sob pretexto de comoção. Entretanto, não é possível ficar indiferente a um enredo tão triste. Parafraseando Vinicius, “tristeza não tem fim, felicidade sim”.

Cada um dos quatro capítulos é protagonizado por núcleos distintos. Basicamente, são três: o casal Will e Abby, a jovem Dylan e a família Gonzalez. O mais frágil é o segundo: Olivia Cooke não convence como a adolescente rebelde, servindo ela, apenas, para manter a coerência estrutural do script. O primeiro capítulo é provavelmente o melhor, primeiro pelo uso mais intenso de recursos estilísticos na direção e segundo pelo trato mais linear das espinhosas questões abordadas. Por exemplo, Will, vivido por um eficiente Oscar Isaac, é a obsessão amorosa em si, é a representação corporificada de um indivíduo extremamente vulnerável e que faz de outra pessoa uma muleta – enquanto Abby, interpretada muito bem por Olivia Wilde, é um esforço compensatório vão de razoabilidade. O amor de Will é assustadoramente voraz (a arma de brinquedo é um eufemismo simbolicamente eficaz) e, ainda assim, deveras crível.

Will e Abby são fundamentais também porque é com ela que nasce a tese do narrador não confiável, noção que aparece, em verdade, logo nos primeiros minutos. São vários os momentos em que a narração puxa o tapete do espectador, manipulando-o das mais diversas formas, normalmente corrigindo a si mesma por inventar uma versão alternativa inverídica. Por exemplo, no prólogo, Samuel L. Jackson é um narrador em voice over que engana o público ao apontar o herói, fatalmente traçando caminhos inimagináveis até então. O recurso continua dando certo no segundo capítulo, mas é aos poucos abandonado, para evitar o cansaço. O primeiro capítulo é tão insano e imprevisível que se torna verdadeiramente empolgante – o que, contudo, não é acompanhado nos momentos posteriores.

No terceiro capítulo, quando aparece Saccione, há uma queda considerável de ritmo, de modo que o longa abraça contornos mais tradicionais e bem menos metalinguísticos. Salvo por uma criativa sequência em elipse, a direção de Fogelman não consegue manter a inventividade inicial, adotando um didatismo que decepciona. Cessam as referências textuais e visuais ao clássico “Pulp fiction”, acabam os vaivéns obliquamente cômicos e não há mais grandes surpresas. Antonio Banderas se esforça para tornar Saccione uma personagem interessante, porém a introspecção de Sergio Peris-Mencheta cativa muito mais (sem desconsiderar, ainda, a maior facilidade de identificação com o polo mais frágil de uma relação). Quando surge Rodrigo (Àlex Monner), a história já atingiu um nível de pieguice incontornável.

Chega a ser paradoxal encontrar ortodoxia em um filme que censura a narração, reflete sobre a vida e subverte as noções fílmicas de tempo e espaço – nesse caso, colocando personagens do presente diegético em cenas do pretérito diegético, como espectadoras de episódios que sequer poderiam estar (muito menos voltar). O discurso final é o ápice da pedagogia, enfatizando uma mensagem já mais do que clara sobre a vida em si. O tom professoral do desfecho não combina com a rebeldia narrativa inicial. A quase onipresença da canção “Make you feel my love”, entre covers e versão instrumental, apenas corrobora a conclusão de que o objetivo de Dan Fogelman era extrair lágrimas de seu público da maneira que for necessária. Seu erro foi a maneira indiscriminada e sôfrega pela qual busca alcançar seu intento, ignorando que melhor que explicar ao espectador o que é a vida em si teria sido estimulá-lo a pensar sobre isso. Seu acerto é garantir que ninguém saia indiferente de sua película.