Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“ANIQUILAÇÃO” – Autodestruição e incapacidade

Originalidade é um quesito que não falta a ANIQUILAÇÃO, filme produzido pela Paramount cujos direitos de distribuição foram comprados pela Netflix. O estúdio provavelmente não acreditava no potencial de bilheteria do longa, deixando-o para o streaming. De fato, trata-se de um filme tão original que desagradará parcela considerável do público. Isso não significa, porém, má qualidade: significa apenas que é uma produção diferenciada demais para quem está acostumado com o fordismo cinematográfico. Não é mais do mesmo, é heterodoxia em nível radical.

A protagonista da película é Lena, uma bióloga que se junta a outras cientistas em uma empreitada provavelmente suicida: adentrar em uma região conhecida como Área X, afetada por um fenômeno inexplicável em razão do qual a natureza não segue as suas leis. O motivo de Lena querer participar da missão é investigar esse fenômeno, já que seu marido, apesar de ser o único a conseguir retornar do local em uma jornada anterior, voltou gravemente doente.

O argumento parte do mistério, pois o enredo faz questão em ser lacônico em relação às inescapáveis dúvidas do público. Embora não seja novidade, o sci-fi migra para o gênero do suspense e enfim para o terror – algo semelhante a “Alien – O Oitavo Passageiro” -, inclusive com alguns momentos gore. É clara a progressão narrativa: o filme vai se tornando cada vez mais estranho e sem sentido aparente. Além de convincente em todos os gêneros abordados, o longa é dotado de simbologias muito significativas. Por exemplo, quando as cientistas adentram na Área X, não conseguem se lembrar de como montaram acampamento, o que pode ser visto como uma alusão ao encerramento de suas vidas anteriores a essa experiência.

O texto é denso e tem uma tese muito clara: a vida na Terra é estática e o ser humano tem uma firme tendência de autodestruição. Porém, destruir, criar e mudar são termos fluidos, podendo receber novas roupagens, a depender do ponto de vista. É esse, por sinal, o cerne da trama, que pode tornar o filme ininteligível para o espectador desatento – ainda mais considerando a narrativa composta de três linhas temporais, sem um visual diferente entre elas. Ou seja, para entender quando se trata de flashback, flash forward e presente diegético, é necessário compreender a sequência narrativa. Também a postura e o humor da protagonista aclaram o momento diegético, sem olvidar que ter uma atriz do calibre de Natalie Portman faz toda a diferença.

Analisando com maior critério, o roteiro vive de genialidades e de falhas pontuais. O desfecho ambíguo é exemplo do quão brilhante o script consegue ser. Considerando que há um mistério a ser desvendado, as pistas são inteligentemente expostas em doses homeopáticas, como ocorre quanto ao relacionamento entre Lena e o marido (que só é pormenorizado aos poucos). Por outro lado, é decepcionante a falta de aprofundamento nas personalidades das coadjuvantes, que servem apenas para reforçar a premissa do plot. Uma delas, por exemplo, sabe que não tem muito tempo de vida, o que a motiva para a missão, da qual provavelmente não sairá viva. O problema surge quando praticamente não se sabe mais nada sobre ela.

A direção é de Alex Garland, responsável pelo ótimo “Ex_Machina: Instinto Artificial”. Há uma queda de nível, todavia é visível o talento do cineasta para a ficção científica autoral, sem ignorar referências como “2001: Uma Odisseia no Espaço” (em especial pelo rebuscamento intelectual). É uma pena que um filme tão apurado na técnica não possa ser visto na sala escura: os efeitos visuais são bons, o design de produção é criativo e a edição de som é formidável. Os efeitos visuais não chegam ao nível de “Ex_Machina”, mas superam o bigode do Superman em “Liga da Justiça” boa parte das produções atuais, inclusive algumas de maior orçamento. O show pirotécnico que ocorre em determinado momento é um vislumbre do potencial de Garland – que apresenta um CGI melhor no que não existe, isto é, se dá melhor na margem surreal de suas obras. O design de produção é focado na flora e na fauna, mas tem o ápice em outra forma, mais ao final (sem incorrer em spoiler, basta dizer que é uma forma alternativa aos reinos conhecidos hoje). Na edição de som, considerando que as formas de vida sofrem mutações, foi necessário criar ruídos novos, inclusive em razão da ausência (quase completa) de trilha sonora.

A filmagem no farol é um esboço da narrativa como um todo: quanto mais uma personagem entra no local, mais detalhes aparecem, enquanto ela se desloca. Contudo, quando a personagem para de se locomover, a própria câmera faz a função de mostrar ao espectador o fora-de-campo. Nada é revelado com facilidade em razão do claro objetivo da obra de fazer o público refletir sobre a proposta. Em síntese, Garland provoca o espectador a pensar sobre a própria condição humana: autodestrutiva e incapaz de se renovar.