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“AOS TEUS OLHOS” – Acusação como sinônimo de condenação e linchamento

Se Rubens é culpado ou inocente não é a preocupação de AOS TEUS OLHOS. Como um estudo social, seu objetivo é expor a raivosa ânsia da maioria das pessoas em condenar alguém após uma acusação, bem como o potencial maléfico da internet.

O protagonista do longa é Rubens, um professor de natação que mantém com seus alunos uma relação próxima, evitando o perfil autoritário para criar um laço de amizade com eles. Quando um deles afirma para a mãe que Rubens o beijou na boca, sua vida tranquila vira uma avalanche de censuras.

A direção de Carolina Jabor é manipulativa, por exemplo ao usar de espelhos e imagens espelhadas, metáfora de que toda história tem dois lados. Não é à toa que Rubens dá aula de sunga (seu figurino mais usado no longa), enquanto seu colega usa calção e camiseta. Quando Davi, pai do aluno, assiste a uma aula de Rubens, chama a atenção a abordagem do professor para com seus alunos, sugerindo uma malícia constante. A diretora usa  cirurgicamente o foco da câmera para direcionar o olhar do espectador, chamando a atenção para o específico elemento do quadro que a merece. O fato de a câmera seguir o protagonista de perto (com closes e planos longos) serve como aproximação entre o público e a personagem, o que também ocorre na edição de som, com ruídos críveis e próximos do espectador (do ponto de vista sonoro, o filme é excelente, em especial por não se preocupar em ter uma trilha sonora pomposa, sendo ela propositalmente diminuta e desconfortável).

Lucas Paraizo deixou bem claro o seu escopo, também manipulando o público. Em um primeiro momento, Rubens parece uma pessoa bondosa e um professor afável (como ao dizer para seu aluno ter coragem antes de uma competição), enquanto Davi parece um vilão unidimensional (ao responder que “coragem ali não é o forte”). O professor ensina os alunos a “saber ganhar e saber perder”, enquanto o pai diz que a mãe mima o garoto. Partindo da apresentação, Rubens surpreenderia se fumasse onde é proibido, se falasse mal de uma aluna e se afirmasse que “transaria com a mãe (da aluna) só de raiva”; da mesma forma, Davi surpreenderia se agisse com cautela na exposição do caso. Espanta essa virada nas suas condutas, todavia não se trata de um twist, mas uma exploração profunda das suas personalidades: o pai não é de todo mau, o professor não é a perfeição corporificada.

As atuações de Daniel de Oliveira e Marco Ricca são essenciais para conceder a multidimensionalidade de seus papéis. O primeiro usa uma expressão enigmática quanto ao suposto ato praticado – exceto nos momentos de indignação – e investe na linguagem corporal (por exemplo, no movimento das mãos, derrubando um anel ao conversar com a diretora), já o segundo deixa claro o seu desconforto com o estardalhaço feito em razão de uma fala de uma criança de oito anos, dirigida à sua mãe (e que ninguém mais ouviu). Davi é mais que um pai homofóbico (negando a homofobia com o argumento de ter amigos gays) graças à atuação de Ricca, cujas nuances fazem a diferença (como a ironia ao dizer “vida que segue” ao delegado). Já Daniel de Oliveira faz de Rubens a dubiedade em pessoa, o que é fundamental na trama, tendo em vista a existência de pistas nos dois sentidos.

Mesmo considerando a ambiguidade do plot, que facilmente desagradará grande parcela do público, o texto é incisivo quanto à danosidade do mundo virtual (especificamente grupos de mensagens instantâneas e redes sociais). Nessa realidade, o prazer social é censurar alguém, mesmo que com elementos frágeis que corroborem a acusação (como é o suposto relato do abuso). Na internet, local onde pode o ódio criar raízes e as agressões proliferar, não é necessário averiguar fato algum e o acusado não tem direito de defesa: uma vez incriminado por um crime grave, o acusado é digno de escárnio. Ou seja, acusação vira sinônimo de condenação e linchamento. O filme é brilhante ao explorar a empolgação das pessoas, com curtidas, compartilhamentos e frases de apoio para o ávido ataque. Há uma ânsia quase patológica pela reprovação do indivíduo suspeito (a mãe chega ao nível de querer “que todo mundo saiba desse pedófilo”).

Assim, é indiferente a convicção do espectador sobre a culpabilidade de Rubens (diferente do que ocorre em “Dúvida”, no qual o cerne da questão é justamente a culpa do Padre Flynn). O professor não precisa do escrutínio do público: a internet já o condenou. Chamem logo o carrasco.