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“BACURAU” – Cultura, combate e resistência

Por trás de um western tarantinesco (ou pós-moderno com influências de Tarantino) está uma mensagem sobre cultura, combate e resistência em BACURAU. O filme tem suas raízes no cinema à Glauber Rocha, em especial no forte viés ideológico de seu subtexto. Concordando ou não com o ponto de vista adotado, alguns elementos lá presentes são de uma veracidade simplesmente inegável.

No longa, os moradores de Bacurau, na região oeste de Pernambuco, se reúnem para o velório de uma idosa de quem todos gostavam. Sem saber, esse senso de união voltaria a ser fundamental, quando eles se encontram na iminência de enfrentar um poderoso inimigo.

Cartaz de “Bacurau

Dirigido e roteirizado por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, “Bacurau” é uma obra sobre colonização, de um lado, e enfrentamento, de outro. Brasileiros são colonizados e colonizadores, na medida em que se subjugam à imposição alheia ao mesmo tempo em que parcela da população enxerga uma superioridade que nada mais é que uma arrogância velada (além de um engano). Dito de outro modo, há brasileiros que se iludem como se não fossem brasileiros ou como se fossem brasileiros de maior estirpe, enquanto que, fora do país, são todos iguais e inferiores.

A rigor, o resultado disso é narrativamente pobre, considerando que generaliza as visões equivocadas e – pior ainda – torna a trama deveras maniqueísta. O filme cria vilões inescrupulosos capazes das maiores atrocidades (os clichês são anacrônicos) e a participação do alemão Udo Kier é decepcionante. Já do lado dos “mocinhos”, os exemplos são a encarnação da nobreza. É o caso de Domingas, personagem de Sônia Braga, cujos deslizes são justificados pelo álcool (em cenas nas quais a atriz esbanja seu grande talento, com destaque para o trabalho de voz) – a principal exceção fica com Lunga, interpretado por Silvero Pereira, exalando raiva e virilidade.

Estruturalmente, o script tem problemas consideráveis, como a desconexão do prólogo com o resto da trama (se extraído, não faria diferença narrativa) e dois atos arrastados para apresentar a diegese, postergando o conflito principal. O pior de tudo, um equívoco grave, é que há uma ponta solta deixada no final, pois há uma personagem cuja motivação não é explicada (salvo se for a maldade pela maldade, o que não deve ser o caso).

Visualmente, o filme é ótimo, seja pela fotografia elogiável de Pedro Sotero, seja pelo design de produção certeiro de Thales Junqueira. A prevalência de tons pastéis nas paredes e no chão transmite a sensação arenosa do sertão nordestino, o que é rompido com o choque do terceiro ato, distante dessa ideia de secura. Os cenários reafirmam as condições do local (estradas esburacadas, edificações antigas etc.), com atenção aos mínimos detalhes (por exemplo, a vegetação ora tem função narrativa, ocultando alguns elementos do plano, ora tem função simbólica, como no caso dos cactos). Da mesma forma, o figurino assinado por Rita Azevedo contrapõe muito bem os dois lados da história, além de uma personagem que, no vestuário, destoa de todas as demais.

Eduardo Serrano faz um trabalho razoável na montagem, usando wipes nas transições, simulando a virada de uma página (como uma história sendo contada) – em outros aspectos, nada a destacar. A música de Mateus Alves e Tomaz Alves Souza é bastante funcional, mas nada memorável. Na técnica, é a mise en scène o melhor atributo de “Bacurau” – embora “Aquarius”, também dirigido por Mendonça Filho, seja superior (nesse e em outros aspectos, em especial no roteiro).

Entre mensagens oblíquas – tais como a de que o opressor não seria tão forte se não tivesse o apoio de parcela do oprimido e a de que os políticos brasileiros estão em pleno descrédito perante a população -, a ideia principal é bastante clara: perceber e enfrentar. Valorizando o Brasil e com atenção especial ao nordeste, o longa é uma manifestação ufanista generalista, mas não genérica, um pleito pela percepção e pela resistência. “Bacurau” pode sair do mapa; o Brasil, não.