“BLUE MOON” – O teatro filmado de Linklater [49 MICSP]
De maneira geral, filmes que se constituem como um “teatro filmado” acabam sendo pouco interessantes em relação à mise en scène, já que abdicam de ferramentas típicas do cinema – a movimentação de câmera dirigindo o olhar do espectador, a variação de cenários, as elipses etc. – ao se aproximar da linguagem teatral. Justamente por isso, contudo, conseguem privilegiar suas atuações e seus roteiros, similar ao que ocorre em “A voz suprema do blues”. Outro exemplo é BLUE MOON.
Em certa noite do ano de 1943, Lorenz “Larry” Hart, um aclamado letrista, afoga as suas mágoas em um bar onde Richard “Dick” Rodgers, seu antigo parceiro de composições, se regozija com o sucesso de seu musical “Oklahoma!”. Em crise, seu único alento é a relação romantizada que tem com a jovem Elizabeth, sua protegida.

Em princípio, o roteiro de Robert Kaplow é de uma cinebiografia cuja base são cartas trocadas entre Larry e Dick. Diferentemente das cinebiografias tradicionais, todavia, não há o escopo de abranger toda a vida do biografado, mas recortar algum momento importante de sua vida e traduzir de algum modo a sua personalidade e seus pensamentos (que são reflexo de tudo o que a pessoa viveu antes). É algo similar ao que Pablo Larraín faz em “Maria Callas”, por exemplo, em que igualmente há um recorte temporal e a protagonista, tal como Larry, reflete sobre sua condição atual ao revisitar mentalmente o passado. Por outro lado, Richard Linklater apresenta uma direção minimalista, diferentemente de Larraín, por força da adoção da linguagem teatral.
Nesse sentido, os cenários são restritos quase integralmente àqueles do bar onde Larry dialoga com todos que lá aparecem. Eventualmente, há uma variação, como entre o balcão, uma mesa e a chapelaria, mas praticamente tudo ocorre no bar. É lá que o protagonista encontra Eddie (Bobby Cannavale), com quem tem as primeiras elucubrações sobre (su)a vida, sobre a arte, sobre o amor e sobre Dick. Outras personagens secundárias aparecem, como Sven (Giles Surridge), geralmente apenas para dar espaço para a verborragia alucinada de Larry e seus pensamentos ácidos.
O único recurso cinematográfico que realmente estabelece a distinção entre cinema e teatro é o modo como Linklater filma Ethan Hawke: no papel de Larry, o ator precisa parecer pequeno para ser fidedigno ao verdadeiro Larry, então o diretor coloca Hawke em alturas inferiores para que pareça mais baixo do que todos. Com isso, o diretor cria um paradoxo simbólico: embora Hart tenha sido um grande letrista, como pessoa, ele era pequeno (o figurino em tamanho maior também acentua tal pequeneza). Por baixo de uma atuação exagerada – típica do teatro – e de um penteado para deixar Hawke semelhante a Hart, está um homem que ama intensamente a arte e que se revela devoto a uma jovem cuja beleza faz com que ele a coloque em um pedestal (Elizabeth, papel de Margaret Qualley), mas que tem dificuldade nas relações interpessoais comuns, em especial as profissionais. Até o surgimento de Dick (Andrew Scott) na narrativa, Larry parece alguém divertido, sarcástico e muito crítico em relação à arte; depois do aparecimento do parceiro, todavia, é possível perceber um lado sombrio que o protagonista até então não mostrava.
O roteiro é cheio de altos e baixos, revelando-se cômico – principalmente graças à acidez dos comentários de Larry, na maior parte das vezes direcionados à (do seu ponto de vista) má qualidade de “Oklahoma!” – para suavizar a enorme inveja que ele sente por Dick. O texto é excelente em seus diálogos. Grandiloquente, Larry não conhece adjetivos moderados: a peça do colega é um desastre completo, o encanto de Elizabeth é devastador. Isso combina com a personalidade de um gênio responsável por canções como “The lady is a tramp”, “Bewitched, Bothered and Bewildered” e, é claro, “Blue moon” (da qual ele, ironicamente, faz pouco caso), músicas tocadas pelo pianista durante o longa, mas combina também com a persona de alguém refém de excessos e indisposto a ser uma pessoa ordinária. No entanto, diversamente dos clássicos de Hart, a obra de Linklater é marcada por um entretenimento efêmero.
* Filme assistido durante a cobertura da 49ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).


Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.

