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“BUMBLEBEE” – É quase um filme razoável

Não ter Michael Bay como diretor poderia ser algo benéfico para BUMBLEBEE? De fato, é um ponto positivo para o spin off  de “Transformers” ter outro cineasta para tocar o projeto, que não abuse da megalomania explosiva da franquia original; entretanto, isso não assegura ao novo filme uma avaliação predominantemente positiva, pois apenas um bloco de cenas no segundo ato é verdadeiramente bom. O resto da narrativa acaba oferecendo uma sucessão de erros, sejam eles antigos, sejam eles novos.

Tudo se passa em 1987, quando o fusca amarelo Bumblebee, defeituoso e caindo aos pedaços, é encontrado pela jovem Charlie em um ferro velho da Califórnia. A garota o conserta e descobre que seu novo amigo é bem mais que um simples carro, assim como que os maléficos robôs Decepticons estão caçando Bumblebee por todo o universo. A mesma fragilidade do roteiro de “Transformers” reaparece aqui: nenhuma preocupação em criar uma história minimamente coerente e compreensível – em resumo, há robôs bons contra robôs maus (sem que o público entenda muito bem o porquê), envolvidos em uma guerra que atinge a Terra (indicada apressadamente no prólogo que dura um piscar de olhos) e tem a participação de militares incompetentes e trogloditas.

Uma boa novidade em meio à mesmice desagradável dessas convenções é a protagonista Charlie, interpretada por Hailee Steinfeld. Ela tem uma personalidade forte e uma postura ativa e determinada que a faz saber muito bem o que quer, além de viver um período de luto pela perda do pai que a deixa isolada dos demais familiares. Seu objetivo de obter um carro, reformando algum velho ou comprando um novo, a faz direcionar sua vida para evitar distrações, como eventuais interesses amorosos que não sejam do seu desejo (algo assim é insinuado com o amigo Memo, mas é prontamente descartado por ela). Além disso, é interessante notar como o design de produção do seu quarto aponta seus gostos pessoais e sua boa relação com o pai falecido: pôsteres de músicos, imagens de automóveis e uma foto ao lado do pai estão espalhados pelo aposento.

O outro elemento positivo dentro da trama é a interação entre Charlie e Bumblebee, que remete a uma aventura juvenil digna dos melhores exemplares da década de 1980. Os dois personagens, acompanhados por Memo, caem na estrada em busca de diversão – as cenas próprias desse momento são as melhores de todo o filme e evocam alguns acertos da estrutura narrativa do primeiro “Transformers“: robô e humano se conhecendo, enquanto boas piadas surgem da inusitada relação entre eles e do desconhecimento de Bumblebee de objetos e situações banais; e uma trilha sonora com canções marcantes dos anos 1980 é usada para embalar as sequências e para dar voz ao androide. O único pequeno defeito fica por conta da caracterização oscilante do robô, ora como um animal de estimação, ora como uma criança extremamente infantilizada.

Durante a maior parte da narrativa, contudo, os antigos erros estão de volta: personagens secundários patéticos e diálogos involuntariamente cômicos (dada a pobreza do texto e do artificialismo das frases). Memo, vivido por Jorge Lendeborg Jr., é o amigo que nutre uma paixão platônica pela protagonista e que funciona como um rascunho mal feito de alívio cômico (as tentativas de piada se tornam ainda mais embaraçosas por conta da falta de timing dos planos); toda a família de Charlie (mãe, padrasto e irmão mais novo) também deveriam ser engraçados, porém conseguem ser tão aborrecidos e entediantes quanto Memo; e o militar Burns, interpretado por John Cena, protagoniza os diálogos mais inacreditáveis da película com a falta de expressividade marcante do ator (o ponto alto é quando se dirige ao seu superior para dizer que não confia nos Decepticons: “Você vai acreditar em quem se chama Decepticons?”).

Mesmo o que poderia ser um mérito com a mudança da direção também apresenta falhas. A entrada de Travis Knight no posto melhora, em parte, a filmagem das sequências de ação por diminuir consideravelmente sua escala, a quantidade de cortes e a movimentação da câmera. Ainda assim, o diretor não consegue estabelecer muito bem a geografia das cenas (especialmente nos confrontos passados em Cybertron, dos quais mal se pode enxergar o planeta), trabalhar os efeitos visuais das lutas mais grandiosas (impera um caos visual que dificulta a diferenciação dos robôs), nem dar algum peso ao excesso de personagens periféricos (o destaque negativo fica para todo o elenco juvenil que faz bullying com a protagonista, dentre eles o bad boy e a trupe de jovens fúteis que o segue).

Tecnicamente, “Bumblebee” ainda possui problemas sérios de montagem e de design de produção. O encadeamento de várias cenas tenta forçar algum tipo de raccord, dispensando a naturalidade necessária a esse tipo de transição (é o que acontece, por exemplo, quando a câmera inesperadamente enquadra o céu em uma cena para avançar para a seguinte, que também se inicia enquadrando o céu). Já a composição dos cenários é superficial e falha como recurso narrativo (Cybertron nem sequer é vista em detalhes e a casa de Charlie parece uma locação de estúdio nada realista, devido ao esvaziamento de muitos cômodos). Em suma, os acertos do filme marcam uma evolução em comparação com a franquia “Transformers“, porém seus defeitos o impedem até mesmo de ser algo razoável.