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“CATS” – Sete vidas e sete chaves

Costuma-se dizer que “os gatos têm sete vidas”. A Universal Studios abraçou o sete (segundo alguns, número da sorte) ao guardar seu filme “a sete chaves”. É uma pena que CATS tenha mais do que sete minutos (não merecia nem isso). Entrando para a História como um dos piores filmes dos últimos tempos, é melhor torcer para que seu legado não seja um estigma desfavorável aos musicais, que já têm a antipatia de parcela do público.

O longa conta a história de um grupo de gatos, os “Jellicle”, que, todos os anos, promove um concurso para que a sua líder, a Velha Deuteronomy, conceda a um deles uma nova vida. Através de números musicais, cada um deles conta a sua história para comovê-la. A recém-chegada Victoria começa a aprender com os colegas, sem saber os perigos que os rondam – o principal é Macavity, que também quer o benefício.

(© Universal Studios / Divulgação)

São tantos os erros da produção que é difícil saber por onde começar. De certo modo, seu ocultamento não foi um deles: a Universal fez de tudo para esconder o longa, por exemplo ao agendar um conflito de horários (logo com “Star Wars”!) nas sessões para a imprensa nos EUA, e ao não promovê-las na maior parte do Brasil. O filme foi terminado às pressas para ser entregue na data prevista, o resultado, então, ficou muito aquém do razoável. Mas nada justifica uma obra tão ruim com um investimento de cem milhões de dólares. Esses são fatos de bastidores que tornam ainda mais gritante o disparate feito com o clássico da Broadway.

Mesmo sem consenso, a obra original de Andrew Lloyd Webber tinha alguma reputação no seu campo. Os gatos Jellicle concebidos na poesia de T. S. Elliot poderiam não agradar a todos, mas eram respeitados na versão de teatro musical. O erro de Tom Hooper e Lee Hall começou na tradução equivocada da linguagem teatral para a cinematográfica: narrativamente, a sequência desordenada de números musicais pode se justificar no espaço reduzido, contudo o cinema comporta (e, por vezes, exige) uma exploração melhor de cenários e, claro, do próprio enredo.

O fiapo de trama faz com que cada gato cante uma canção estúpida dizendo seu nome e por que é conhecido, tornando a história chata, infantilizada (as piadas felinas são infames), rasa e repetitiva. Quando Gus (Ian McKellen, colocando uma mancha no currículo) relata musicalmente o saudosismo pelos tempos áureos, não é uma subtrama que se desenvolve (o que certamente poderia ser abordado em um filme), mas uma simples apresentação solitária. Personagens vêm e vão tumultuadamente, com nomes conhecidos (James Corden, Taylor Swift, Idris Elba e Jason Derulo); outros, nem tanto (Francesca Hayward, começando com o pé esquerdo, Laurie Davidson e Ray Winstone).

Repleto de furos (de onde vem o poder do vilão? Por que só ele consegue?), o roteiro só não é pior que a pavorosa direção de Tom Hooper. No fundo (bem no fundo), há um filme sobre compaixão e recomeço, temas que ficam claros na única cena que quase presta, protagonizada por Jennifer Hudson. A atriz e cantora se empenha para comover no papel de Grizabella, gerando alguma emoção (que não seja a raiva e/ou o riso, como no resto da película) pela sua inigualável potência vocal, pela expressão de sofrimento e pelo olhar impactado de Judi Dench, tudo isso sabotado pela péssima mise en scène de Hooper. “Memory”, já consagrada na voz de Barbra Streisand, recebe agora a sua versão mais intensa – em uma obra, por outro lado, vergonhosa.

O design de produção apresenta gravíssimos erros de proporção, como ao fazer ratos menores que baratas e ao variar o tamanho das personagens a depender do cenário, tornando-se deveras incoerente (se a casa onde mora a personagem de Rebel Wilson tem tamanho pensado para humanos, por que existem estabelecimentos voltados a gatos, como o Milk Bar?). Locais londrinos famosos (Big Ben, Trafalgar Square etc.) são desperdiçados pelo seu uso imagético equivocado até nos pormenores, como na iluminação, que tem feixes de luz sem sentido (não poderia entrar aquela luz no The Egyptian à noite).

Anacrônicos, os efeitos visuais são aviltantes, dado o CGI que mais parece ter saído de um jogo de computador do final dos anos 1990 – é algo definitivamente aviltante. Comparando, por exemplo, com “Gato de botas”, lançado oito anos antes de “Cats”, o desleixo é notório. Salvo pelas protuberâncias óbvias (bigode, orelhas e rabo), a pelagem feita beira o amadorismo – sem olvidar a estranheza estética, algo que uma maquiagem bem feita talvez pudesse aplacar (mas certamente não um CGI horroroso). Na alternância da profundidade de campo, a redução é benéfica, pois oculta o visual ruim, enquanto que a maior profundidade de campo revela o que o estúdio não queria que aparecesse – elementos pictóricos embaçados dentro do campo. Não parece um live action, mas uma animação muito (mas muito mesmo) mal feita.

A película não acerta sequer nas idiossincrasias dos musicais: a mixagem de som é bem falha (por exemplo, uma coçada na barriga soando mais alto que vários pratos e talheres caindo no chão, estes não chamam tanto a atenção tanto quanto um vaso se quebrando); as coreografias, confusas e bagunçadas (ainda que o rebolado felino seja coerente, a mistura de passos de balé com hip hop, daquela maneira, só tira a harmonia dos movimentos).

Se, assim como os gatos, os seres humanos tivessem sete vidas, certamente uma delas se extinguiria ao assistir a “Cats”.