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“CLÍMAX” – E daí?

França, inverno, anos 1990: um grupo de dançarinos se isola para ensaiar e se divertir ao som de muita música eletrônica. É uma festa que se torna um pesadelo na medida em que os efeitos do álcool e das drogas são sentidos por eles. Com esse fiapo de trama, CLÍMAX é um filme marcado pelo cinema autoral de Gaspar Noé, muito mais preocupado com sensações a partir de um contexto audiovisual em sentido estrito do que em construir narrativas sólidas.

O roteiro não poderia ser mais singelo, com um desfecho previsível e diálogos randômicos. As conversas entre as personagens, bem escassas, versam em geral sobre relacionamentos (principalmente no aspecto sexual), de modo que uns falam sobre os outros. O objetivo não é dar ao plot substância, mas naturalidade. O verdadeiro tema é o uso de substâncias entorpecentes, justificando atos como pressão coletiva por suicídio e urinar no meio da pista.

Cartaz de “Clímax

O design de produção da película pode não ser o mais belo, mas é muito coerente com a proposta. O cenário principal (a pista) tem o piso vermelho e paredes de cor mostarda, paleta presente também nos figurinos, aos quais o preto foi adicionado. O vermelho ora representa a afetividade explorada, ora a violência. O mostarda é símbolo da energia; não por outra razão, está no figurino de apenas duas personagens – o DJ e Selva, papel vivido por Sofia Boutella, que é a que mais interage com os demais. Quanto ao preto, serve como contraste às cores vivas. Quando são explorados outros recintos do mesmo local onde os dançarinos estão, surgem novos tons, como lilás e verde.

No embalo da quase incessante música, há muita dança, de diversos estilos (vogue, krump e waack) e com enorme liberdade. Nos primeiros minutos, há uma coreografia muito bem executada, seguindo o ritmo da música, filmada em plano-sequência. Noé evita em sua película tanto cortes quanto deixar a câmera estática (salvo, por exemplo, nos sucintos diálogos), dando vivacidade à direção, bem como naturalidade. A impressão é que tudo é uma enorme improvisação (e há, de fato, bastante improvisação) na qual o cineasta escolhe fragmentos a partir da filmagem, que opta por acompanhar determinada personagem e instantes depois segue outra. O diretor argentino usa do plano holandês à câmera de cabeça para baixo (em um momento, a proximidade do chão torna as imagens um pouco confusas, emulando o efeito da droga para o público).

Quando as personagens fazem uma roda para dançar, a câmera as filma em plongé, iniciando uma hipnótica sequência cuja estética é baseada na circularidade. Mesmo quando há um corte, a imagem seguinte é um disco de vinil, para depois retornar ao mesmo círculo de dançarinos, mais aberto. Por vários minutos, a circularidade imagética se faz presente, com ápice em um lento giro de trezentos e sessenta graus, deixando o espectador tonto, como se participasse da festa.

Tratando-se de um filme de Gaspar Noé, talvez “Clímax” seja muito mais comportado do que se poderia esperar – embora tensão, violência, nudez e sexo marquem presença, caso contrário, não seria um filme dele. Noé abandona a explicitude de “Love” e abraça o insano, gerando um desconforto ainda maior, principalmente porque muito do que está ali não faz um sentido óbvio. As danças são bonitas, mas não justificam um filme de mais de noventa minutos. A perícia com a câmera poderia ser melhor aproveitada com um roteiro decente. Quando a obra acaba, a conclusão é: “e daí?”.