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“COBRA KAI” [4ª TEMPORADA] – Distância familiar e adulta

* Clique aqui para conferir a nossa crítica da 3ª temporada de “Cobra Kai“.

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COBRA KAI chega a sua quarta temporada já consolidada entre muitos fãs de séries e assinantes da Netflix. O efeito nostalgia em relação aos filmes “Karatê kid” foi o primeiro elemento chamariz, seguido pela criação de tramas próprias para jovens atores carismáticos e pela atualização da linguagem para temas e estilos contemporâneos. O que serviu para estabelecer o início da produção não basta para seu desenvolvimento e/ou conclusão, acima de tudo para se prevenir da armadilha de querer prolongar algo que tem seu próprio ciclo limitado e não uma vida eterna. Concentrando-se um pouco mais nos personagens adultos, os novos episódios lidam com o dilema entre preparar o desfecho ou explorar ainda mais o universo criado.

(© Netflix / Divulgação)

Ao final da terceira temporada, John Kreese passou a ser o grande comandante do Cobra Kai e atraiu Robbie Keene para seu raio de influência. Então, para conter o inimigo em comum, Daniel Larusso e Johnny Lawrence precisam unir seus dojôs e treinar em conjunto Miguel, Sam, Demetri, Eli e os outros adolescentes. No entanto, os estilos diferentes dos dois sensei criam novos atritos que dificultam a aliança entre Miyagi-do e Presas de Águia. Enquanto isso, John Kreese pretende fortalecer seu dojô trazendo de volta seu antigo companheiro Terry Silver.

O centro dramático da quarta temporada continua sendo a relação entre Daniel e Johnny, ainda que dentro de uma dinâmica distinta. Eles começam como aliados no no treinamento dos alunos para o Torneio de Caratê Regional Sub-18 de West Valley, mas logo retornam à antiga rivalidade quando não chegam a um consenso sobre que tipo de caratê ensinar. Alguns momentos dessa divergência são traduzidos esteticamente de forma interessante, como o discurso inicial dos dois em uma aula variar entre o ataque confiante e a defesa equilibrada sendo embalado por trilhas sonoras conflituosas e as tentativas de cada um deles aprender técnicas e concepções do outro sensei serem construídas por uma divertida montagem paralela. Apesar de contar com novas estratégias narrativas, a relação entre os dois homens parece muitas vezes girar em torno do mesmo conflito sem tantas variações, ou seja, o ressentimento de Johnny por tudo que se seguiu após a derrota para Daniel há mais de trinta anos e a insistência de Daniel de achar que sua visão da arte marcial seria a única correta. Ao centrar boa parte da narrativa nessa instável aliança, a série incorre no mesmo problema dos adultos: não dar atenção às questões dos jovens.

Em outro núcleo formado por adultos, a obra mantém o problema de alienar as subtramas dos alunos dos dojôs em prol de algo que oscila. No Cobra Kai, Kreese resgata o auxílio de Silver, um empresário que havia participado da fundação do dojô, mas atualmente aproveitava sua aposentadoria com sua esposa comendo apenas alimentos saudáveis em uma mansão de frente para o mar, para intensificar o treinamento dos alunos. Com a entrada do personagem, a produção utiliza o apelo do terceiro filme da franquia “Karatê kid” para expandir a trama e fazer novas conexões com o passado. Por um lado, os conflitos entre eles pelo comando do Cobra Kai proporcionam uma oposição complexa e silenciosa entre dois vilões interessados pelo aumento de seu poder, o que cresce graças às atuações de Martin Kove e Thomas Ian Griffith. Por outro lado, os flashbacks passados, principalmente, na guerra do Vietnã tentam humanizar e dar complexidade a essa interação, porém é um recurso que já não havia funcionado na temporada anterior e, dessa vez, marginaliza subtramas de grande potencial.

Mesmo buscando o desenvolvimento dos arcos dos demais personagens, a narrativa não confere tempo suficiente ou densidade para as trajetórias e conflitos dramáticos. Alguns núcleos e desdobramentos já eram conhecidos anteriormente e outros surgiram por conta de novos direcionamentos da história. A rivalidade entre Robbie e Miguel fica apenas implícita em algumas cenas. As dúvidas com relação ao futuro de Miguel surgem e duram pouco. A relação conturbada entre Robbie e Johnny ganha algum destaque somente no último episódio. O bullying e a intimidação entre os alunos dos dojôs aparece pontualmente em menor escala. O esforço de Sam de tomar as rédeas de sua vida sem obedecer cegamente os pais e as hostilidades com Tory são os arcos mais bem-sucedidos devido ao carisma e à força dramática de Mary Mouser e Peyton List. As subtramas não são problemáticas por compleo, mas são menos intensas do que poderiam em função de a série conceder mais contundência para as jornadas dos adultos. Como símbolo disso, Daniel e Johnny (nem a própria série) notam que sua antiga rivalidade cegam a preocupação e a ajuda que deveriam oferecer para os adolescentes.

Há ainda outros exemplos de como as subtramas protagonizadas pelos jovens são comprometidas pelo fato de a narrativa não abordar a alienação dos adultos em relação aos problemas dos mais novos. As relações inseridas especificamente nessa temporada têm um desenvolvimento tímido ou errático, como a chegada do novo personagem Kenny ao colégio de West Valley e o bullying que sofre de Anthony, o filho caçula da família Larusso, a interação de mentor e aprendiz de Robbie e Kenny e as dificuldades sociais da vida de Tory provocadas por pais ausentes. Apesar de esses arcos apresentarem momentos eficientes que dispensam o previsível, eles desaparecem por alguns episódios ou ficam apenas como uma sugestão não concretizada. Tudo isso ocorre novamente porque os dilemas e confrontos de Daniel, Johnny, Kreese e Silver ofuscam as trajetórias dos outros personagens. Especialmente no que se refere a Daniel e Johnny, os dois não têm consciência plena de que as brigas e sofrimentos dos adolescentes são resultado das tensões entre os sensei e a produção parece não perceber que seria uma questão a explorar mais explicitamente nos conflitos desses personagens.

Até a construção formal das sequências possui diferenças sensíveis para em cada núcleo. As dinâmicas dos quatro sensei são estabelecidas e desenvolvidas com flashbacks de suas juventudes (como a influência da guerra do Vietnã para Kreese e Silver) ou trechos dos filmes “Karatê kid” (como a rivalidade entre Daniel e Johnny e a influência nociva de Silver sobre Daniel) sem maiores criatividades, utilizando essas imagens do mesmo modo que já foi feito nas temporadas passadas. Já as interações entre os alunos do caratê são beneficiadas pelas formas como as lutas ou os treinamentos são filmados segundo outras mise-en-scène, como as aulas de Sam, Miguel, Eli, Demetri e seus colegas com os professores trocados, o confronto de Robbie e Tory contra Miguel e Sam em duplas e os embates no Torneio Regional desenvolvidos com grande energia, coreografias diferentes e novas ideias de competições – reservando os dois últimos episódios para o torneio, é possível inclusive apostar em resultados inesperados para reorientar a dramaturgia da obra.

Na conclusão da quarta temporada, dois rumos distintos se sobressaem. Um deles envolve as alianças instáveis dos sensei, que culminam no encontro de um equilíbrio saudável por parte de Daniel e Johnny ao tentarem compreender um pouco mais o lado um do outro e no conflito aberto entre Kreese e Silver a partir de egos pessoais insustentáveis e traições inesperadas. O outro rumo contempla a dimensão mais íntima dos jovens, que buscam suas próprias origens, tentam se conciliar com os sentimentos destrutivos de seu interior e repensam conceitos de justiça, redenção e recomeço. No caso do primeiro desdobramento, a narrativa deixa a impressão que conseguiria ainda por muito tempo reinventar relações, alianças e reencontros dos filmes “Karatê kid“. No caso do segundo desdobramento, os adolescentes mostram que nem tudo pode ser resolvido pelo caratê, sobretudo ressentimentos do passado, conflitos emocionais, dilemas geracionais e problemas sociais. Se a atual temporada não conseguiu equilibrar plenamente essas duas dimensões, o desafio se coloca para o futuro de “Cobra kai“.