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“DE PERNAS PRO AR 3” – A importância de uma boa protagonista

*Clique aqui para ler a crítica do primeiro filme, de 2010.

*Clique aqui para ler a crítica do segundo filme, de 2012.

A construção da narrativa não é das melhores, mas Alice é uma protagonista fascinante. DE PERNAS PRO AR 3 repete um pouco a fórmula dos anteriores, acertando ao inserir uma nova personagem – não tanto pelo que ela representa por si mesma, mas pela maneira como reverbera em relação a Alice.

A Sexy Delícia, rede de sex shop fundada e presidida por Alice, amplia suas atividades para o mundo todo, exigindo dela mais tempo dedicado ao trabalho e menos voltado à família. Quando ela percebe um descompasso com os familiares, se aposenta e repassa a função do comando da empresa à sua mãe.

Cartaz de “De pernas pro ar 3

A direção de Julia Rezende se revela tímida na maioria das cenas, deixando mais espaço para o humor verbal. No aspecto visual, nada chama a atenção, salvo a dinâmica montagem dos créditos iniciais, em que a mescla entre ação, animação e canção é muito bem utilizada. No geral, as músicas da trilha são bem escolhidas, principalmente “Bang bang” (Jessie J, Ariana Grande e Nicki Minaj) e “O meu sangue ferve por você” (Sidney Magal). A primeira é associada ao empenho desmedido que Alice dedica ao trabalho; a segunda aparece em uma sequência bem divertida quase sabotada por um ímpeto exagerado nos cortes – este é o único momento em que a montagem se equivoca, enquanto que, em uma sequência em montagem paralela de casais discutindo, o trabalho é ótimo.

Ainda do ponto de vista visual, a pouca profundidade de campo incomoda e desvaloriza os incomparáveis cenários parisienses. No figurino, Reka Koves se esmera bastante para destacar Alice das demais personagens, dando a ela majoritariamente um vestuário bem elegante, iniciando pela cor preta para simbolizar a desconexão da protagonista com a família, dando-lhe cores com o desenvolvimento da narrativa. As cores das roupas são escolhidas de maneira bastante simbólica, por exemplo ao colocar Alice de vermelho na cena em que ela está acompanhada da filha (maiores detalhes acarretariam spoilers).

Tudo isso acaba se tornando acessório ao considerar o potencial de Alice enquanto protagonista – potencial que desta vez é bem utilizado. Ela continua sendo uma workaholic irremediável, porém os reflexos da sua condição não se reduzem às relações familiares. Ela não percebe, mas a sua personalidade acaba se tornando tóxica para si mesma. Nas suas palavras, ela usou o fracasso em seu favor e descobriu o prazer de oferecer prazer, contudo a nova busca é pelo próprio prazer.

É nesse contexto que Alice ganha um conflito de duas dimensões. Do ponto de vista externo, há um atrito com Leona (nova personagem), com as cobranças familiares e até mesmo com o trabalho, que, na sua ótica, exige enorme devoção – é por isso que acha que a mãe não leva a função a sério. No aspecto interno, a passagem do tempo e a importância de si são questionamentos propostos por ela. Por exemplo, Alice é resistente aos óculos de realidade virtual criado por Leona, enxergando nesta uma inimiga ao cogitar ser substituída e avaliar estar sendo ultrapassada. A insegurança é tanta que, em um jantar de trabalho do marido, ela inconscientemente toma os holofotes.

A liberdade sexual é tema reiterado no filme, de modo que a franquia não abandona a sua base. Bruno Garcia repete o papel de João e Cristina Pereira vive de novo Rosa, que tem as melhores piadas. Maria Paula reaparece como Marcela em uma cena pequena e sem grande função narrativa (ela continua, de certa forma, como conselheira da protagonista), mas necessária justamente para explicar a participação diminuta. No entanto, a trilogia é o que é graças a Ingrid Guimarães, claramente confortável no papel de Alice. Isto é, o sucesso da saga (já que chegou ao terceiro episódio) só ocorreu graças ao talento da atriz, cujo ápice ocorre no capítulo de encerramento (se é que vai parar no terceiro). Ela é o diferencial dessa produção.

De pernas pro ar 3” não se justifica muito além de Alice. A trilogia tem seu valor ao abordar a sexualidade feminina em todas as suas potencialidades, tema que ainda é tabu – a reunião da protagonista com outras mães é uma representação fidedigna do paradigma retrógrado segundo o qual o prazer solitário cabe apenas às mulheres solteiras (às casadas, no máximo na clandestinidade). No terceiro episódio, a personalidade da protagonista é melhor lapidada, sem perder o humor nem o suave senso crítico. Um resultado satisfatório e honesto com o público, que geralmente não espera sequer isso.