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“DEADPOOL” – Brincalhão como uma criança

É realmente difícil encontrar um filme brincalhão como DEADPOOL. Provavelmente não há palavra que descreva a produção melhor que esse adjetivo. Sem limite, o longa parte da premissa segundo a qual tudo admite humor, então faz piadas sem poupar ninguém. Se o roteiro não consegue ser subversivo como pretende, a direção é ousada na linguagem.

O filme conta a história de Wade Wilson, ex-agente especial que leva a vida como mercenário. A vida de Wade muda quando ele se submete a um procedimento doloroso que lhe dá poderes, mas que o desfigura. Diante disso, ele assume a persona de Deadpool, um “super que não é herói”, e vai atrás do cientista responsável pelo experimento, no intuito de vingança.

Apesar do CGI fajuto, a direção despudorada (já que inclui um pouco de nudez, o que não se esperaria normalmente) de Tim Miller faz um trabalho fenomenal de quebra da quarta parede. Logo nos minutos iniciais, há uma brincadeira com uma goma de mascar que gruda na “quarta parede”. O que é mais interessante em seu trabalho é que ignora completamente a linha que divide o universo diegético e o real (é esse o grande trunfo de “Deadpool”): essa barreira praticamente não existe. Liam Neeson e seus “Busca implacável” (1, 2 e 3) existem no universo diegético do longa tanto quanto o Professor Charles Xavier interpretado por Patrick Stewart e James McAvoy. Nos dois casos, há uma mescla entre ficção e realidade: no primeiro, como a ficção é distante da diegese da película, a derrubada da barreira é engraçada, porém ela se torna inteligente na segunda hipótese, pois Xavier existe no universo diegético de Deadpool, enquanto Stewart e McAvoy são os atores que o interpretam – ou seja, Deadpool conhece a ficção (Xavier), mas sabe que é ficção (ao mencionar os atores, especificando a confusa cronologia dos X-Men).

Em outras palavras, “Deadpool” é onisciente, já que existe em seu filme, mas tem consciência que é um filme: começa afirmando que é uma história de amor, retificando posteriormente a informação para declarar que é um filme de terror – quando, na verdade, é uma comédia de ação. Mais que isso, ele mostra que existem outros filmes, chegando ao exagero (no bom sentido) de fazer piada com Ryan Reynolds, ator que interpreta o protagonista. E isso faz sentido, pois se trata de um protagonista debochado e cínico, que não encontra limites para a “zoação”. Entram aí Wolverine e Hugh Jackman, o Lanterna Verde interpretado antes por Reynolds e até mesmo o estúdio, que “não teria conseguido o dinheiro para contratar os outros X-Men”. Deadpool é um palhaço cujo objetivo é arrancar risadas da plateia, nem sempre obtendo êxito, mas insistindo no intento.

Se nem todas as piadas funcionam, a culpa não é de Reynolds, que claramente se diverte dando vida ao “Mercenário Tagarela” – apelido a que ele faz jus muito mais por ser tagarela do que por ser mercenário. Isto é, ainda que queira ser diferente, o roteiro de “Deadpool”, no fundo, não sai tanto da mesmice. Não há dúvida que assumir os estereótipos através dos rótulos que aparecem nos primeiros minutos (a adolescente cheia de atitude, participação sem significado, personagem feito em CGI etc.) é um diferencial em relação aos filmes que têm esses mesmos estereótipos e fingem que não têm. Entretanto, isso não afasta o fato de que o longa também os têm, ou seja, o diferencial é anunciar os clichês que todos os concorrentes igualmente possuem. Em comum, os dois modelos (comparando “X-Men: o filme” com o que é aqui analisado, por exemplo) não conseguem abandonar personagens estereotipadas. Isso vale para todas as personagens que não o protagonista, já que este tem carta branca para ironizar o que o cerca. Salvo pelo anti-herói e pela quebra da quarta parede, o longa é diferenciado apenas na superfície – na verdade, com maior rigor, até mesmo o Deadpool é um clichê: mesmo que não admita ser herói, ele já o era como Wade, apenas não assumindo o rótulo.

O roteiro tem um início único, fundamental do ponto de vista estrutural ao constituir-se in media res. O espectador é lançado na ação (ainda que paralisada) sem nem saber o que está acontecendo, para depois aparecerem os minutos antecedentes. Brincando no tempo, a narrativa se constitui por duas linhas temporais que se unem quando o pretérito alcança o presente. É um recurso com algum risco, já que existe um desnível de ritmo entre as narrativas, todavia não há prejuízo algum nessa metodologia. Um grande equívoco do texto reside na construção dos coadjuvantes, que, salvo Vanessa, vivida pela pouco expressiva Morena Baccarin, servem meramente de pretexto para a comédia – nesse grupo entram um taxista ingênuo, um amigo sem personalidade, uma idosa cega e dois mutantes sem relevância. Vanessa, por exemplo, tem uma loucura igual à do Wade (palavras dele), mas não deixa de ser a donzela indefesa que precisa ser salva pelo herói – a diferença é, apenas, que ela não é pura e casta como outras. Isso sem falar da unidimensionalidade frustrante do vilão.

A trilha sonora de Junkie XL é mais uma comprovação de que a película é muito mais irreverente na forma do que no conteúdo, transitando entre músicas instrumentais originais, alguns raps (“Deadpool rap”, de Teamheadkick, “X gon’ give it to ya”, de DMX e “Shoop”, de Salt-n-pepa) e ícones culturais que surpreendem por estar lá (“Angel of the morning”, de Juice Newton, “Calendar girl”, de Neil Sedaka – que embala a cena mais ousada do longa -, “Mr. Sandman”, de The Chordettes e “Careless whisper”, de George Michael). A trilha não podia ser mais harmônica com o conteúdo do filme (as piadas pueris em especial) e com a personalidade do protagonista, que, sinteticamente, é brincalhão como uma criança, além de intelectualmente inofensivo.