Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

“DJ AHMET” – O amor, como a música, é universal e atemporal [49 MICSP]

Ainda que bem situado no tempo e no espaço, DJ AHMET é um conto atemporal e universal sobre a necessidade de enfrentar a família em virtude do amor. Shakespeare elaborou a obra mais conhecida nessa temática, “Romeu e Julieta”, mas a ideia lhe era muito anterior, como se verifica em “Metamorfoses”, do poeta romano Ovídio. Em seu texto, ele tratou do mito de Píramo e Tisbe, amantes na Babilônia oriundos de famílias rivais que se comunicavam através de uma fenda na parede. Às vezes com viés cômico, às vezes com viés trágico, histórias de amor são inesgotáveis.

Ahmet é um adolescente interessado pela música e apaixonado por Aya, uma moça que já está noiva de um rapaz escolhido pelo pai. Após a morte de sua mãe, Naïm, seu irmão menor, parou de falar, enquanto seu pai tem dificuldades em criar os dois sozinhos. Os três se unem, então, para enfrentar o conservadorismo de suas famílias e encontrar a felicidade.

(© Cinema Futura / Divulgação)

Ainda que o diretor e roteirista Georgi M. Unkovski seja pouco experiente (este é o seu primeiro longa), o resultado entregue é de alta qualidade, notadamente em relação ao design de som e ao tom narrativo. A trilha musical dialoga muito bem com a narrativa, acompanhando as nuances de seu desenvolvimento sem perder por completo a característica local. Isto é, embora haja a influência das músicas estadunidenses, o que é importante na trama, os ritmos árabes têm farta presença. Não obstante, a cena em que toca uma música em inglês é bastante emblemática na representação do enfrentamento à sociedade conservadora em que vivem. Unkovski utiliza o poder da música para dar um tom épico a determinadas cenas: juntamente com slow motion, a transição do extradiegético para o intradiegético traduz a subjetividade do protagonista, leia-se, da visão de uma aura mágica para o que vê. Isso ocorre, por exemplo, quando Ahmet encontra Aya pela primeira vez no filme, ou quando dança junto de Naïm: a movimentação das personagens ocorre em slow motion e a música inicialmente toca em volume alto para depois revelar o som “real” da cena. Com isso, as canções ganham o poder de transformar ocasiões comuns em acontecimentos fascinantes.

No que se refere ao tom narrativo, “DJ Ahmet” mescla comédia, romance e drama, nessa ordem de importância. O humor é pueril, pautado geralmente em como Ahmet é atrapalhado (a cena em que cai da escada, a cena em que corre após um aceno) ou na tecnologia que encanta uma personagem lateral (até mesmo aqui o design de som marca presença, como no ruído do Windows 98); é algo leve e divertido que atenua bem o sufocamento do trio jovem. Afinal, embora a comédia prevaleça, o drama traz considerável seriedade ao envolver os traumas da perda da mãe e a reação do pai, no caso dos irmãos, bem como a vontade de ser livre ao invés de se submeter à vontade paterna, no caso de Aya (de certa forma, os arcos narrativos não são tão diferentes quanto parecem). O romance também cumpre a função de contrapeso, dando ensejo a cenas esteticamente belas (como no passeio à noite) que reforçam o apuro visual do diretor (vide os planos gerais dos vales naquele cenário bucólico ou o figurino rubro das mulheres).

Os pais do trio principal representam uma geração anterior que espera submissão sem resistência. É curioso que, mesmo tratado com uma dose de crueldade pelo pai (a título de punição), Ahmet consiga expressar um sorriso contagiante. O carismático Arif Jakup brilha como um protagonista mesmerizado pela amada e disposto a usar sua criatividade para atingir seus fins. Dora Akan Zlatanova tem em Aya uma jovem corajosa e decidida que expressa na dança o não pertencimento àquele local, uma região onde casamentos são arranjados e a reputação, seguindo certos parâmetros, vale mais que a felicidade. Por ter poucas falas, Agush Agushev acaba tendo um arco narrativo mais singelo, mas a expressividade de seu olhar é impressionante.

O conflito de gerações é central no longa, expressado na comédia (a tecnologia), no drama (a maneira como o pai lida com o silêncio de Naïm) e no romance (o casamento arranjado). Como nas célebres tragédias mencionadas, o amor dá forças para que os amantes confrontem tudo que com ele colida, inclusive suas famílias. É isso que torna esse tipo de história universal e atemporal, pois o amor – como a música, por exemplo -, é um produto humano forte o suficiente para resistir ao tempo e ultrapassar barreiras.

Em tempo: como nota, o filme receberá quatro estrelas ao invés de cinco. Se tivéssemos notas fracionadas no Nosso Cinema, ele mereceria meia estrela a mais.

* Filme assistido durante a cobertura da 49ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).