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“Dumbo” (1941) – Isso sim é Disney

Produzido por Walt Disney, DUMBO custou muito menos que seus antecessores “Pinóquio” e “Fantasia” (ambos de 1940) e foi um sucesso de público e crítica, a despeito do lançamento em um período conturbado. Cercado de curiosidades históricas (como o fato de o elefante quase ter sido capa da revista Time e a maneira pela qual Disney foi convencido de que a história era interessante), o clássico constitui arte da melhor qualidade.

A história de “Dumbo” é popularmente conhecida: o protagonista é um simpático elefante cujas enormes orelhas lhe causam rejeição e vergonha por todos no circo onde mora. Quando sua mãe é afastada e encarcerada, seu único amigo, um rato, é quem lhe dá apoio.

Cartaz de “Dumbo” (1941)

Na maioria das vezes, o filme é literal, como ocorre com o nome dado ao pequeno elefante e com a marginalização social que ele sofre. No primeiro caso, o apelido Dumbo é a união da palavra dumb, que significa estúpido, com o nome “oficial” do paquiderme, Jumbo Júnior. No segundo, percebe-se que o protagonista desde muito cedo sofre com um enorme preconceito causado por suas chamativas orelhas: ele é chamado de monstro, é isolado pelos outros da sua espécie e chega a ser excluído – simbólica e literalmente – da manada circense.

Ocorre, entretanto, que o longa consegue transmitir também mensagens sutis a partir de pequenos paradoxos, podendo-se citar três. Inicialmente, é contraditório que, em um circo – onde, em tese, habita a diversidade e, em razão dela, a aceitação -, reine tamanho ódio. Simples: a discriminação pode ser encontrada em qualquer lugar. Também causa estranheza que um elefante consiga fazer amizade com um rato, já que é notório o medo nutrido pelos animais de tromba em relação aos roedores. Ora, a empatia pode vir de onde menos se espera. O terceiro paradoxo é que Dumbo vira piada de um humano dentuço e com orelhas também grandes. Há quem zombe dos outros sem perceber que pode sofrer da mesma zombaria.

A personalidade de Dumbo é simplesmente encantadora: trata-se de uma criança desajeitada (no que as orelhas, a bem dizer, colaboram) e ingênua (tanto que não entende quando os humanos caçoam dele), mas também brincalhona e feliz quando se lhe é permitido (brincando de esconde-esconde com a mãe). Sua genitora, a Sra. Jumbo, representa o acolhimento materno, que se traduz no afeto (a cena em que ela, mesmo presa, encosta a tromba no filho, é de uma ternura comovente), mas também na proteção (que constitui um plot point forte, mas fundamental na trama).

O longa conta com metáforas inteligentes, com destaque para a “pena mágica”, cujo simbolismo está na psicologia segundo a qual a força de cada um está em si mesmo, não em artefatos exteriores. Nessa ótica, o roteiro de Joe Grant e Dick Huemer (que se basearam no conto escrito por Helen Aberson e ilustrado por Harold Pearl) vale para todos os tipos de públicos, salvo, talvez, na sequência da embriaguez, que não é compatível com espectadores de tenra idade, a despeito da estética charmosa.

A direção de Ben Sharpsteen é exitosa em praticamente todos os aspectos, dominando o trânsito da película entre a candura, o suspense (não é por acaso que o protagonista demora um pouco para aparecer) e o choque com uma violência mais simbólica do que visual (na cena da reação da Sra. Jumbo). Entre os clássicos da Disney, “Dumbo” é um dos raros a utilizar fundos de aquarela para a animação, o que tornou a produção mais barata (quando comparado ao uso de guache e óleo de “Bambi”, de 1942, por exemplo). E o resultado é fascinante, em especial pelo formidável design de produção.

Como exemplos da excelência visual, podem-se citar os olhos da Sra. Jumbo, cuja cor azulada se torna vermelha no momento de agressividade (sem desconsiderar a feminilidade a eles atribuída, com uso de sombra e cílios bem destacados), e a roupa dos animais antropomórficos, como a cegonha (com traje temático de entregador) e o rato (cujo vermelho do figurino representa a sua afetividade).

Dumbo” pode parecer um conto infantil e mesmo óbvio, contudo suas lições o tornam atemporal o suficiente para estimular a reflexão e universal o bastante para emocionar. O otimismo do desfecho não faz dele um feel good movie, mas fornece um ensinamento final: tudo é passível de mudança. Por pior que pareça uma situação (o drama do protagonista), é possível que melhore; por pior que alguém aparente ser (os corvos), esse alguém pode se transformar em um amigo.