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“DUMBO” (2019) – Esse trio já foi melhor

*Para ler a crítica do clássico de 1941, clique aqui.

O ano é 1992, com alguns dos envolvidos em ótimo momento da carreira: o diretor, com enorme crédito para conduzir uma continuação; o protagonista, no auge da carreira até então; o antagonista, no papel que o tornaria inesquecível. Em 2019, porém, o trio não teve a mesma sorte: DUMBO é um filme de poucos predicados e que definitivamente não faz jus ao original.

No filme de 1941, a estrela é o próprio elefante simpático e orelhudo que deu nome à obra; no remake, que se passa em 1919, o foco é nos humanos que com ele convivem, principalmente Holt Farrier, Milly, Joe e Max Medici. Holt é uma ex-estrela do circo, que retorna da guerra e precisa recuperar a carreira e o afeto dos filhos após a morte da esposa. Milly, uma esperta garota que almeja ser cientista; Joe, seu irmão; ambos filhos do capitão Farrier. Max Medici é o dono do circo, empolgado com a atração grandiosa que Dumbo pode virar e encantado com a proposta ambiciosa do poderoso empresário V. A. Vandevere.

Cartaz de “Dumbo

Da própria sinopse já é possível perceber o excesso de personagens. Alan Arkin faz um papel absolutamente irrelevante; Eva Green justifica a sua presença apenas por ser a nova musa do diretor; e, das duas crianças, apenas Milly (Nico Parker) era necessária, enquanto Joe (Finley Hobbins) não tem uma personalidade minimamente desenvolvida. A menina é a representação da filha que rejeita a profissão para a qual estaria, em tese, destinada (ser artista circense), mirando uma área inusitada (a ciência, na qual encontraria dificuldades por não ter precedentes na família e, principalmente, pela época). Há um exagero interpretativo, porém a personagem se justifica, ao contrário de Joe, sobre quem se sabe apenas a dificuldade em plantar bananeira.

Baseado na obra de Helen Aberson e Harold Pearl, o roteiro de Ehren Kruger deixa muito a desejar. Prepondera na construção das personagens ora o maniqueísmo – Holt pode ser inoperante (culpa da personagem, não de seu intérprete, Colin Farrell), mas é heroico e bondoso; o Vandevere de Michael Keaton não chega a uma fração da qualidade do Batman que o ator viveu em 1992, sobretudo pelo ar caricatural como um vilão inescrupuloso -, ora a neutralidade (Danny DeVito, afastado há muito tempo, não justificou seu retorno, salvo, talvez, pela amizade com os envolvidos). Sem esquecer os coadjuvantes unidimensionais (o cuidador de elefantes que gosta de maltratar os animais, o funcionário que se demite por discordar de uma decisão do patrão referente a uma área sem afinidade à sua), é fácil concluir que o núcleo humano é entediante e artificial.

A ideia de família na trama protagonizada pelos humanos, a despeito dos diálogos, é bem inferior ao arco dramático de Dumbo. No primeiro caso, basta as crianças órfãs que podem ter encontrado uma substituta para a mãe (a artificialidade está presente, por exemplo, na mudança de tratamento de Colette em relação a Holt, pois nada explica a frieza inicial, muito menos a simpatia adquirida em tão pouco tempo); no segundo, o paquiderme é de um carisma sem igual, ganhando a empatia do espectador com facilidade.

Dumbo enfeitiça a plateia com seu visual encantador – além da trajetória comovente: maltratado e humilhado desde bebê por humanos, afastado por eles da sua mãe e, apesar de tudo isso, capaz de perceber que existem pessoas boas. Os efeitos visuais são inacreditáveis, com atenção especial ao pequeno elefante – charmosos olhos azuis envoltos por uma pele enrugada e com leve penugem, além de perceptíveis expressões faciais (maquiado, ele se torna ainda mais tocante) – e à cena dos elefantes rosados feitos de bolhas (o nonsense do original é substituído por um ar surreal-dispensável, ou seja, dos males, o menor).

Tim Burton se preocupa em formular referências ao original: do 41 na ponta do trem ao rato examinado por Milly; da cegonha visitando a senhora Jumbo ao filho desta tropeçando nas próprias orelhas. O diretor cria cenas maravilhosas ao expor o deslumbrante elefante voador (quando Dumbo voa, embalado pela fascinante trilha musical de Danny Elfman, a película ganha contornos fantásticos), porém não se pode negar que a emoção existe apenas quando o animal está presente. O problema não é ser dependente de Dumbo – afinal, sem ele não há filme -, mas ser tão inexpressivo em todos os demais aspectos. Por exemplo, quando usada a câmera subjetiva do ponto de vista do pequeno mamífero, as bordas da tela ficam desfocadas (como se sua visão fosse ruim); quando usada câmera objetiva, a fotografia de Ben Davis é aquela já muito conhecida como característica de Burton – estética sombria e depressiva, dessa vez, todavia, destoando da atmosfera aventuresca do longa.

O grande acerto de “Dumbo” (a versão de 2019) é a inovação em relação ao original, aparando algumas arestas (além da cena nonsense, o nome do elefantídeo tem explicação e manutenção mais lógica), adotando um ponto de vista distinto e abraçando novos valores (crítica à ganância e proteção aos animais). Entretanto, o trio Burton-Keaton-DeVito ainda tem em “Batman: o retorno” uma obra imensamente superior e mais ousada.