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“ELITE” [2ª TEMPORADA] – Bastante para melhorar

* Clique aqui para ler a nossa crítica da primeira temporada.

Com basicamente a mesma estrutura narrativa e dando seguimento ao plot inicial, a segunda temporada da série ELITE não traz ganhos relevantes e perde o fator novo, razão pela qual acaba sendo inferior à primeira. A sensação é clara quanto a uma etapa intermediária e preparação para o porvir, o que pode gerar expectativa no fã, mas frustra pelo pouco que acontece.

Após o assassinato de Marina por Polo e a prisão de Nano, Guzmán anuncia que qualquer pessoa que conversar com Samuel se torna automaticamente sua inimiga. A escola fica dividida e novos grupos parecem se formar, inclusive com o ingresso de novos alunos. Surge ainda um novo mistério: alguma das personagens desaparece.

Cartaz da segunda temporada de “Elite

Criada originalmente pelos showrunners Darío Madrona e Carlos Montero, a segunda temporada é integralmente dirigida por Ramón Salazar. Em tese, isso garantiria uma regularidade quanto ao nível dos episódios, mas isso não acontece – talvez pelo número grande de roteiristas: além de Madrona e Montero, Amanda Céline Miller e Carlos C. Tomé. Assim, enquanto o terceiro episódio é um espetáculo estético – com destaque ao beijo entre Ander e Omar, que eles se destacam em meio a luzes intensas e todos de vermelho (exceto eles), e ao beijo entre Guzmán e Nadia, ao som de “Con las ganas (versión 2019)”, de Zahara -, o quarto é extremamente pacato em todos os sentidos.

Dentre os pilares temáticos da temporada, o mais imediato é o dinheiro. Segundo Nano, aconselhando Samuel, “dinheiro fácil vicia mais que heroína”. Demora para o ingênuo jovem perceber que prender pessoas ricas é muito mais difícil que prender pobres. O abismo socioeconômico entre os estudantes da Las Encinas não é tão relevante agora, pois Christian, Samuel e Nadia já têm suas integrações bem estabelecidas. O primeiro participa pouco da temporada; os outros dois, socializam com duas das novas personagens, reiterando a força do dinheiro.

Uma delas é a expansiva Rebeca, interpretada com visível diversão por Claudia Salas, tornando-se rapidamente amiga de Samuel e Nadia porque nem sempre foi rica (ao contrário de Guzmán e os demais). Para torná-la destaque ainda maior face aos demais, Rebeca tem uma caracterização visualmente chamativa no tocante ao figurino: costumeiramente com o corpo à mostra, usando cores extravagantes (rosa, roxo, amarelo fluorescente), brincos de argolas douradas grandes e sempre com um colar no pescoço (um deles com a sigla “RBK”, enfatizando sua segurança de si). Contudo, enquanto personagem, ela poderia ser muito mais desenvolvida, servindo muito mais para subplots rasos envolvendo Samuel.

Valerio, vivido pelo ótimo Jorge López, é outro novo aluno, mas que, na verdade, não é exatamente novo: o meio-irmão de Lu já é conhecido dos “veteranos”, de modo que a conversa em que Guzmán fala dele para Ander e Polo não faz muito sentido (pois eles se conhecem há anos, então certamente conheceriam Valerio). À primeira vista, trata-se apenas de um drogadito – e o tema das drogas é abordado de maneira decepcionantemente superficial (dado o público-alvo juvenil) -, porém é ele quem protagoniza um assunto deveras delicado abordado na segunda temporada. No aspecto narrativo, Valerio permite pequenas reviravoltas em algumas subtramas, em especial no tocante ao triângulo Nadia-Guzmán-Lu.

Além do dinheiro, a liberdade das personagens é um pilar temático da segunda temporada, havendo um aprimoramento em relação a algumas delas, em detrimento de outras (certamente um elenco tão numeroso não poderia ter o mesmo destaque, o que, de certa forma, justifica Christian e Nano terem ficado em segundo plano). Omar (Omar Ayuso, ainda melhor que na primeira) é um dos que mais aproveita o maior espaço dado, dividindo-se entre a dramática relação com o pai (a cena em que discutem é bem impactante), a divertida amizade com Rebeca (além de uma quase amizade com Lu) e o relacionamento afetivo com Ander (Arón Piper, com menos destaque do que antes). A este cabe um tormento que o acompanha durante quase todos os episódios, sem nenhuma problematização pessoal. Isto é, o espaço de subjetividade de Ander quase que se resume a problemas alheios, salvo no tocante ao namoro com Omar. Nesse caso, a liberdade que Omar consegue (traduzida até mesmo por um figurino mais despojado e alegre) e que Ander demandava é paradoxalmente incômoda a este, que revela um descontentamento que, na prática, é uma manifestação homofóbica. Seria interessante aproveitar uma oportunidade de triângulo amoroso, oportunidade desperdiçada pelo roteiro.

Assim como Omar, Nadia (Mina El Hammani, melhor a cada episódio) exerce a sua liberdade e mostra novas facetas da sua subjetividade, como alguma corruptibilidade (por exemplo, ao aceitar o dinheiro de Valerio em razão da alta quantidade, ou seja, todos têm um preço) e disposição para dar demonstrações de afeto por Guzmán. O terceiro episódio, quando ela solta o seu cabelo e se maquia, surge um novo paradigma para a personagem, bem mais desprendida à ortodoxia de seus valores. Os vaivéns são coerentes, na medida em que não faria sentido uma ruptura completa. Sempre inteligente, ela ensina Guzmán a diferença entre amor e devoção, distanciando-se ainda mais do que Lu (Danna Paola, confortabilíssima) representa para ele.

Além de Valerio e Rebeca, Cayetana (Georgina Amorós, a mais fraca do elenco) é uma das novas personagens, que, assim como eles, guarda um segredo que a deixa envergonhada – na verdade, é um assunto bem clichê. Quanto mais ela se aproxima de Polo (Álvaro Rico, aprimorado em razão do maior desenvolvimento da personagem), mais este se coloca como um vilão da trama (e talvez seja esse o caminho a ser percorrido na terceira temporada). Embora todas as personagens tenham suas falhas, Polo é mais representado pela fragilidade (como pelos remédios e pelas alucinações) do que pela bondade ou maldade, contudo é inequívoco a posição de antagonista que ele ocupa por ter sido o responsável pela morte de Marina. Com o surgimento de novos elos sociais na escola, Itzan Escamilla finalmente mostra algum talento: se na primeira temporada sua postura passiva e exageradamente ingênua era incômoda, agora ele é mais adulto e certo de suas decisões, conseguindo enxergar o jogo de manipulação dos colegas e se esforçando para usar isso em seu favor. As aulas de boxe que tem com Rebeca são a metáfora de alguém que cansou de ser saco de pancadas de todos os outros. Embora Samuel pareça o verdadeiro herói, aquele ser incorruptível e que esbanja bondade, o desfecho da temporada desfaz essa noção.

Elite” repete alguns erros da primeira temporada (como uma escola de ricos permite tantas brigas?) e o esquema narrativo de flash forwards – que dessa vez não dá certo, ora porque eles têm a falsa utilidade de cortina de fumaça (mas que, na verdade, não encobre nada, como ao revelar a identidade da personagem desaparecida já no primeiro episódio, além de outros adiantamentos desnecessários), ora por desviar do foco (que deveria ser a exposição de Polo como o verdadeiro assassino). Há alguns episódios esteticamente bem feitos (em especial os que acontecem festas) e alguns com diálogos inteligentes – no sexto, é interessante a utilização das mesmas falas com semântica distinta (“choices, darling” entre Lu e Nadia e “acha que me engana depois de tantos anos” entre Polo e Carla). Entretanto, as sequências de montagem paralela são muitas vezes anticlimáticas (no primeiro episódio, quando Nadia e Christian estão sofrendo, enquanto outros se divertem, o resultado não poderia deixar de ser indiferença do espectador) e o progresso narrativo é tímido. Há bastante para melhorar na terceira temporada.