Nosso Cinema

A melhor fonte de críticas de cinema

EM CHAMAS – Um conto que virou filme [42 MICSP]

Querendo romper um pouco com os padrões da narratologia tradicional, EM CHAMAS é um filme extremamente metafórico, repleto de simbologias ocultas e de enredo peculiar. Trata-se de uma mescla entre relacionamentos afetivos, piromania e inveja, mistura que apenas consegue dar certo se o espectador entende a proposta.

No longa, Lee Jongsu é um solitário entregador que, por acaso, reencontra  Haemi, uma conhecida da infância que era sua vizinha. Os dois passam bons momentos juntos, quando ela pede para ele cuidar de seu gato enquanto viaja para a África. Quando Haemi retorna, ela está acompanhada de um novo namorado, Ben, cuja condição financeira misteriosa e ar enigmático deixam Jongsu intrigado e desconfiado. E tudo piora quanto mais ele conhece Ben.

Lee Chang-Dong é o responsável pelo roteiro e pela direção do longa, que tem o texto baseado em um conto do famoso Murakami (o que é anunciado logo no início) e rende quase duas horas e meia de duração. A tradução da linguagem literária para a cinematográfica não é fácil, não se podendo fazer uma interpretação literal do script, caso contrário, o filme se torna, no máximo, morno – e o trocadilho aqui foi acidental.

Também acidental é o encontro entre Jongsu e Haemi: aos poucos, seus backstories se tornam conhecidos, mas o filme gasta tempo demais para apresentá-los ao público (e apresentar Ben). Haemi é a excentricidade em pessoa, com uma infantilidade irritante que Jeon Jong-seo expõe muito bem. Previsivelmente, ela é peça-chave do triângulo, contudo a personalidade da personagem é menos importante que a sua função narrativa.

Assim, Jongsu e Ben são muito mais relevantes. O primeiro é um escritor um pouco tímido; o segundo, um jovem rico e confiante. Yoo Ah-In faz de Jongsu um rapaz sério e esquivo, oposto do Ben de Steven Yeun, cujo excesso de confiança é incômodo para aquele. Uma das primeiras falas de Ben, ao telefone, ainda que dirigida à sua mãe, é uma síntese do seu ser: “minha saúde está ótima, graças ao meu DNA maravilhoso”. Um pouco depois, diz nunca ter chorado e que talvez já tenha sentido tristeza. É o seu passatempo, porém, o elemento mais curioso a seu respeito. Jongsu, por outro lado, tem um histórico de vida muito mais trágico, especificamente em relação à sua família.

Seguindo a mesma lógica, o design de produção molda o trio de acordo com suas idiossincrasias: a casa de Haemi é visualmente poluída e bagunçada, salvo em uma cena que constitui um leve plot twist; o carro de Ben é um Porsche Cayenne; o carro de Jongsu é branco (simbolizando sua personalidade pacífica) e velho (já que ele não ostenta boa condição financeira.

A fotografia restringe-se à luz natural, do que sai um resultado muito bonito, em especial na cena em que Haemi dança para exibir a sua liberdade (o pôr do sol é belíssimo). Na ausência de diálogos, aos elementos visuais soma-se uma montagem bem pensada, alternando a câmera subjetiva com a objetiva para permitir que as personagens se comuniquem com o espectador de maneira não-verbal.

Chang-Dong filma as personagens muitas vezes na diagonal, dando uma perspectiva de profundidade. Em termos visuais, o cineasta tem um trabalho de qualidade inquestionável. Entretanto, como storyteller, ele não tira o melhor da história: “Em chamas” tenta ser um thriller, mas jamais se revela cativante para o espectador a ponto de mantê-lo curioso durante toda a trama. O desfecho é um pouco previsível, salvo por seus pormenores, de modo que o público fica ansioso para o final para descobrir como tudo ocorrerá, não porque a trama se torna envolvente enquanto se desenrola. E esse é o grande problema do filme: a duração não se justifica se considerada a simplicidade narrativa, o que indica que a linguagem literária não foi traduzida para a cinematográfica da melhor forma. Em outras palavras, ler o conto deve ser muito mais eficaz do que ver o filme.