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“EM PEDAÇOS” – Apenas mais um filme de vingança

Seria EM PEDAÇOS apenas mais um filme de vingança, ou a obra teria algo mais a dizer? Ainda na primeira hipótese, isso é necessariamente ruim? É preciso ter algo mais a dizer?

No longa, Diane Kruger interpreta Katja Sekerci, alemã esposa do turco Nuri e mãe de Rocco. Nuri cumpriu pena por tráfico de drogas, mas agora tem uma vida tranquila com a família, fazendo Katja feliz. Porém, sua felicidade se esvai quando Nuri e Rocco são vítimas de uma bomba criminosa que causa as suas mortes. Katja então decide que os culpados, um casal neonazista, merecem ser punidos a qualquer custo.

O filme é dividido em capítulos bem irregulares. No primeiro, os três são apresentados: o menino é precoce, falando um palavrão que aprendeu na aula de violino e aconselhando o pai a ter empatia; Nuri é um apaixonado pelo filho e pela esposa; e Katja vive satisfeita com a família que constituiu. O primeiro ato é o pior: na primeira parte, o filme velozmente apresenta os três, sem facilitar a identificação cinematográfica secundária, partindo o quanto antes para a bomba; na segunda parte, o luto é extremamente demorado. No segundo ato, o filme se torna mais interessante, ainda que não muito original, enquanto um drama de tribunal. No terceiro, fica mais agitado e tenso, mas também sem originalidade.

Embora em termos narratológicos o filme não chame a atenção, tematicamente ele tem muito potencial, não integralmente concretizado. O envolvimento de Nuri com entorpecentes, que faz parte, em tese, do seu passado, dá ensejo a questões muito sérias e espinhosas, como, por exemplo, o uso de drogas como forma de alívio (por parte de Katja), bem como o subtexto da utilidade do cárcere: embora ele não tenha mais uma dívida com a sociedade, o estigma do ex-condenado não sai dele, mesmo depois de morto (ao menos é como enxergam a mãe de Katja e as autoridades). Isto é, ainda que ele tenha cumprido a sua punição pelo narcotráfico, a sociedade tem convicção que ele vai reiterar o delito, o que demonstra, de um lado, que a sociedade sabe que o cárcere não tem êxito enquanto prevenção, e, de outro, que a prisão não o abandonará, mesmo ele tendo saído dela pelo seu integral cumprimento.

Diane Kruger já é uma atriz consagrada, o que significa que o prêmio de melhor interpretação feminina em Cannes (no ano passado) apenas corrobora seu inegável talento. Sua Katja, quase personagem única da película (em razão da ausência de aprofundamento das demais), é uma mulher destemida e decidida, o que combina com a caracterização marcante (tatuada, cabelo desarrumado e vestuário de cores escuras).

O diretor alemão Fatih Akin acerta nas altas doses de realismo, o que faz já no prólogo, um bem filmado plano-sequência com a câmera na mão (recurso bastante utilizado na película), surpreendendo na plausível quebra da quarta parede. Sua direção é de poucos cortes, priorizando planos longos e deixando os cortes mais abruptos para formar elipses. Entretanto, as filmagens caseiras simuladas não são bem inseridas: apesar de verossímeis, ficam deslocadas na narrativa, pois não faz sentido inserir cenas do pretérito diegético, sem conexão imediata com a linha narrativa do presente diegético – supostamente, Katja está revendo essas filmagens, todavia isso nem sempre fica explícito, além de praticamente não colaborar com o enredo. São exemplos do problema de ritmo apresentado no longa, como ocorre nas sequências do luto da protagonista, que dura muito mais que o necessário, ao menos comparando com outros momentos.

A cena mais impactante do longa é aquela em que Katja descobre que seu marido e seu filho foram vítimas de uma explosão. É o ápice dramático do filme, em que são utilizados apenas sons intradiegéticos, como a chuva, gritos da protagonista e choro – mas sem trilha sonora. A trilha sonora está presente, porém apenas de forma intradiegética também, ou seja, nas cenas em que a protagonista realmente está ouvindo músicas. Visualmente, a película não chama a atenção: por exemplo, em um plano em que a câmera gira em torno da protagonista, exibindo a belíssima vista para a qual ela olha, há o anúncio do desperdício de uma possível fotografia encantadora em terras gregas, já que sabidamente a Grécia é um local visualmente extraordinário, não aproveitado no longa. Ainda do ponto de vista visual, alguns planos em que o rosto de uma personagem aparece em close, com outra personagem também aparecendo no campo, mas em um plano mais aberto, soam artificiais e prejudicam a noção espacial.

O título brasileiro é acertado, já que pode ser interpretado tanto literal quanto metaforicamente. Essa riqueza, todavia, não existe no filme como um todo, pois – respondendo à questão do início – o filme não passa de (mais) um filme de vingança, subgênero que já tem um longo acervo. Falta-lhe um fator extraordinário para que se destaque, como ocorre com “O Regresso” e “Kill Bill”, outros filmes de vingança (que têm um plot mais criativo e direções espetaculares), ou a transcendência que facilmente poderia ter ao abordar o neonazismo (como “A Outra História Americana”). “Em Pedaços” não tem muito para dizer (já que retrata um caso isolado, meramente sugerindo que ele não é isolado, mas sem aprofundamento algum) nem muito para mostrar, tendo inclusive um timing ruim de lançamento – em alguns momentos, lembra “O Insulto”, em outros, “Corpo e Alma”, ambos indicados ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira (enquanto o filme alemão foi indicado na mesma categoria, porém no Globo de Ouro, ou seja, são filmes fora do circuito hollywoodiano que tiveram uma exposição maior), mas que se destacam mais. Conclusão: “Em Pedaços” é apenas mais um filme de vingança. Um bom (pois certamente não é ruim) e morno filme de vingança, que rapidamente cairá no esquecimento.