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Entrevista: Darío Mascambroni, diretor de “Mochila de chumbo” [42 MICSP]

Durante a cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, eu tive a oportunidade de entrevistar o diretor argentino Darío Mascambroni, do longa “Mochila de chumbo”.

Eu assisti ao filme um dia antes da entrevista, quando houve uma sessão de perguntas dirigidas ao Darío ainda na sala de cinema, na qual eu permaneci. Foi meu primeiro contato com ele, quando vi um jovem (trinta anos de idade) cineasta, um pouco tímido (e se desculpando) por não falar português (um dos produtores da Mostra serviu como tradutor), mas visivelmente empolgado pela exibição do seu filme na Mostra.

Na saída, pedi para conversar com ele. Esperei um dos espectadores que falava com o Darío e, quando ia enfim ter um contato mais direto com ele, apareceram duas senhoras que também estavam na sessão. Apenas uma delas falava espanhol e era curioso ver o interesse que elas manifestavam – tanto pelo filme quanto pelo Darío, cuja aparência é típica de um galã de filme argentino.

Nossa primeira conversa foi rápida, apenas pedi que gravasse comigo um vídeo para o site do Nosso Cinema (ou “Nuestro Cine”), convidando os espectadores para assistirem a “Mochila de chumbo”. Eu o avisei que nos encontraríamos novamente no dia seguinte, quando eu faria a entrevista – afinal, eu precisava preparar as perguntas. Simpático, ele me deu seu cartão com seu contato direto.

No dia seguinte, fui ao hotel em que ele estava hospedado e comecei com uma brincadeira: “tengo solamente treinta preguntas para vos hoy” (“tenho apenas trinta perguntas para te fazer hoje”). Ele arregalou os olhos, assustado, quando eu prontamente o tranquilizei: “estoy brincando” (“estou brincando”). E foi assim que começou.

Diogo: Darío, poderia nos contar um pouco sobre a sua carreira, por que a começou e por que se interessou em trabalhar com cinema? Darío: Na verdade, eu quero fazer cinema desde muito pequeno, acho que quando eu tinha 5 anos eu disse que queria fazer cinema… não sabia o que significava fazer cinema, mas já gostava muito de assistir a filmes e sempre soube que queria fazer algo relacionado a isso. Sou um amante de futebol, mas não sou bom jogador. Assim foi que eu sempre soube que queria fazer algo relacionado ao cinema. Diogo: e quanto aos estudos sobre cinema em Córdoba? Darío: Sim, quanto a isso, me criei em uma cidade pequena no interior de Córdoba, então o primeiro passo foi quando terminei o colégio fui à capital da província para estudar cinema. Creio que além do estudo em si, o mais importante foi conhecer muitas pessoas da minha idade que estavam querendo fazer o mesmo. Imediatamente, nós pensamos em fazer curtas-metragens em conjunto, em que trocávamos os papéis na produção – som, direção de fotografia, roteiro, iluminação, produção também. Mas sempre me foi muito claro que eu gostava de escrever e dirigir, então, basicamente, apenas terminamos de estudar e cada um dirigiu seu primeiro filme independente de maneira colaborativa. Dois anos depois eu fiz meu primeiro filme, “Primeiro janeiro” [que foi exibido no Festival de Cinema do Rio de Janeiro e ganhou o prêmio de melhor filme no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires em 2016]. Tive a sorte de participar de festivais importantes, digamos, e abrir meu espaço, de alguma maneira, no mundo do cinema, sobretudo na Argentina. Meu segundo filme, “Mochila de chumbo”, teve a sorte de ganhar um prêmio no INCAA [Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais da Argentina], assim eu contei com um apoio financeiro do Instituto e foi outra grande experiência, com mais tempo de trabalho. Essa é, basicamente, a minha curta carreira.

Diogo: quais são as suas principais inspirações no mundo do cinema? Darío: eu gosto de cineastas de estilos muito diferentes, mas ultimamente me interessa muito o trabalho de Ken Loach, diretor inglês [responsável por “Eu, Daniel Blake”], que trabalha com uma história da classe média trabalhadora, com um forte realismo. Eu o admiro porque, politicamente, é muito coerente nos seus filmes: digamos que o que está no seu discurso se vê muito claramente em seus filmes. Gosto muito do [Aki] Kaurismäki [diretor de “O outro lado da esperança”] também, diretor finlandês que faz um trabalho incrível. Agora, um pouco mais conhecidos, os irmãos [Joel e Ethan] Coen, que fizeram filmes impressionantes [“Fargo” e “Onde os fracos não têm vez”, dentre outros] – a metade, pelo menos, me parece de obras enormes. Esse seria o pódio dos meus três diretores preferidos.

Diogo: no Brasil, há uma admiração muito grande pelo cinema argentino – não somente [Ricardo] Darín, mas Guillermo Francela, Soledad Villamil, e também os diretores, como [Juan José] Campanella e Pablo Trapero. E para os argentinos: como eles enxergam o cinema brasileiro? Darío: veja, eu particularmente não consumo filmes por regiões, eu gosto de diretores e filmes em particular. Sim, sou um fanático pelos festivais argentinos, lá nós temos um festival muito grande, que é o Festival Internacional de Cine de Mar de Plata [único reconhecido na América Latina como de categoria A pela Federação Internacional de Associações de Produtores Cinematográficos (FIAPF), ao lado de outros eventos renomados como a Berlinale e o Festival de Cannes]… em duas oportunidades eu vi filmes brasileiros muito bons. Por exemplo, “Aquarius” [de Kleber Mendonça Filho] e “As duas Irenes” [de Fabio Meira]. Esse último é um filme pequeno, mas eu o achei incrível. E creio que, como todos os países, o Brasil tem as suas pequenas joias, eu não considero que há um país referência em produção audiovisual. A particularidade que a Argentina tem é que filma muito, por ano são mais de cem filmes, que se vendem ao redor do mundo mais que os de outros países. Mas eu acredito que os filmes brasileiros nos festivais são muito bem vistos. Não sei se na Argentina se consomem tantos filmes brasileiros, creio que não.

Diogo: entre roteiro e direção, qual atividade você prefere? Darío: eh… Diogo: difícil? Darío: difícil! [Parou uns instantes para pensar] Roteiro! Sim, roteiro, porque não preciso de dinheiro para sentar e escrever. Por isso. Posso fazer quando quero. Diogo: você já pensou em escrever um roteiro para outro diretor ou dirigir um filme para outro roteirista? Darío: creio que não… acho difícil acreditar que posso dirigir para outras pessoas. Talvez sim escrever, mas dirigir não, porque sou encantado pelas minhas ideias. Tenho muitas, talvez elas sejam ruins, todas, mas eu sou encantado pelas minhas ideias e quero ter tempo para trabalhar em meus projetos. Quero seguir com os meus projetos, dirigir os meus projetos. Sim, colaboro com outros diretores, mas dirigir e escrever só os meus projetos, eu acho. Diogo: e de onde vêm suas ideias para os roteiros? Darío: que difícil! Acho que, principalmente… ai, que difícil! [Ambos rimos] Da realidade, sobretudo, da família, da minha família… tenho uma família numerosa, com muitos integrantes e cada vez me aparece um personagem interessante… sim, é isso. Ah, e também me inspira muito assistir a filmes em geral, mas para isso tenho mais inspirações estéticas. Mas as ideias… não sei, surgem da realidade. Agora, por exemplo, estou trabalhando em um filme que me surgiu de um evento que ocorreu na Argentina há vinte anos, de uma pessoa que se suicidou, mas há uma teoria de que não houve suicídio, que foi algo falso. E isso, claro, com uma história familiar… mas enfim, sobretudo da realidade.

Diogo: “Primero janeiro” tem um menino como personagem principal, Valentino. “Mochila de chumbo” também tem uma criança, Tomás. Por que você gosta de trabalhar com crianças? Darío: tem a ver com, primeiramente, o seguinte: eu tenho trinta anos, não sou pai… então, por aí, minha perspectiva de vida é que não sou um menino, mas corresponde mais à minha infância do que à minha pessoa como adulto. Eu preciso experimentar mais da vida adulta para mudar meu ponto de vista sobre as coisas. Eu gosto muito da visão que as crianças têm do mundo, sem preconceitos, uma visão mais despojada e sem conceitos que acabam tendo depois. Foi o que me motivou a fazer os dois primeiros filmes. Agora, não estou trabalhando com personagens infantis. Mas é isso que me interessa em trabalhar com as crianças, a visão que têm do mundo. Diogo: mas e a dificuldade em trabalhar com crianças? A disciplina… Darío: ah sim, a técnica de trabalho é totalmente diferente. É possível conseguir boas atuações, mas dirigir uma criança exige muita atenção, há algo muito importante que é o cuidado dessa criança durante o trabalho e não somente dizer a ele qual caminho seguir. É preciso cuidar dela todo o tempo, antes e depois do trabalho.

Diogo: falando especificamente do filme, “Mochila de chumbo” não tem uma violência explícita, mas uma violência simbólica: crianças fumando, usando armas… apesar de o filme ser uma ficção, retrata uma realidade no Brasil, na Argentina, certamente. Por outro lado, há espectadores que preferem um mundo mais… Darío: idílico? Diogo: sim, exato. A arte imita a vida ou a arte é uma válvula de escape para os males da vida? Darío: eu acredito que, pelo menos o que eu conheço como arte boa, é a que está vinculada diretamente à realidade, porque, do meu ponto de vista, é uma forma de comunicar-se, é pura comunicação. E também há o entretenimento, que vem em formato de cinema, música, que tem como objetivo simplesmente entreter, trazer bons momentos. Eu consumo ambos, mas fazer, o que eu gosto é a arte comprometida com a realidade. E não poderia fazer de outra maneira. Sim, eu consumo ambos, mas cada vez me aborrece mais a suposição de que se tem de entreter e cada vez me interessa mais a arte comprometida com a realidade, que tem um compromisso social ou mesmo político. Para mim, a arte sempre está vinculada à conjuntura do momento em que se faz, pelo menos a melhor arte.

Diogo: o nome “Mochila de plomo” (nome original do filme, em espanhol) tem um duplo sentido: a arma dentro da mochila e mesmo uma metáfora para o peso que a mochila carrega. É essa a ideia do título? Darío: é essa a ideia, sim. Acaba sendo bastante clara, mas eu gostei dos dois sentidos. Se entende o sentido direto, que tem a ver com a arma, e se entende um segundo título, que é a carga emocional que tem o personagem Tomás durante todo o filme. Eu gosto. Diogo: eu também. Darío: e a tradução, “Mochila de chumbo”, também é boa.

Diogo: há um momento do filme em que Tomás está sentado na sua cama, onde se vê um rosário. Ou seja, ele teria uma religiosidade. Porém, há momentos em que ele não é muito religioso. Seria Tomás uma representação de cada um de nós, porque temos um lado bom e um lado ruim? Darío: na verdade, eu não tomo o lado religioso como algo bom, mas sim algo que está sempre… digo, na Argentina, que está sempre vinculada à religião católica. Eu fui batizado e não sou praticante. O rosário está presente porque, na nossa vida, está a Igreja Católica. E não necessariamente tem a ver com cada um de nós. É uma questão de fundo. Diogo: é algo “mecânico”? Darío: sim, por efeito, está. E Tomás não tem nenhum vínculo, nem com a Igreja, nem com a religião, ele simplesmente tem isso em parte da sua vida porque sim. Não quero que represente um lado bom ou ruim do filme, pelo menos não foi a minha intenção.

Diogo: para finalizar, que conselhos você daria para alguém que quer começar a carreira como cineasta, mas não sabe como? Darío: eu creio que primeiro é preciso conhecer pessoas. Não necessariamente gente com muita experiência profissional, mas pessoas que têm o mesmo apreço pelo cinema, já que cinema não se pode fazer sozinho, diferente das outras artes. Primeiro, forme um grupo de pessoas, pelo menos três ou quatro, para compartilhar experiências, compartilhar intuições, ideias, receber comentários… e me parece que a melhor forma é animar-se e ter sua primeira experiência. Seja com dinheiro ou sem dinheiro. A maioria dos diretores faz assim, se aprende fazendo e se corrige à medida que o tempo passa. Diogo: e normalmente sem dinheiro… Darío: sim, é o normal.

Diogo: a última. Pelé ou Maradona, Neymar ou Messi? Darío: [rindo] não! Maradona sempre! Mas eu não vivi na época do Pelé, tampouco na primeira época do Maradona. Admiro o jogador, mas eu gosto mais da sua personalidade. E Maradona é o combo perfeito: dentro e fora de campo, é alguém muito poderoso. De Pelé não falo, pois faz muito tempo. Messi.. Messi é melhor jogador, mas não me causa nada. À empatia eu me refiro. E Neymar sim, me parece que ele tem a alegria do brasileiro, do jogador brasileiro. Fui fanático pelo Adriano, pelo Ronaldinho… e todos têm uma história particular. Ronaldo, Roberto Carlos… sou um grande admirador do futebol brasileiro. Obviamente são os melhores do mundo sempre. Diogo: muito obrigado, Darío. Darío: não, por favor, obrigado a você.

*O filme “Mochila de chumbo” foi assistido durante a cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.