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“ESCOBAR – A TRAIÇÃO” – Não é medíocre, é inferior

É provável que a história de Pablo Escobar já esteja saturada de produções audiovisuais. Isso significa que seria necessário inovar para realizar uma obra que chamasse a atenção. Não é esse o caso de ESCOBAR – A TRAIÇÃO, que tinha em mãos o aparato para extrapolar o medíocre, mas que não consegue sequer chegar a esse nível.

Isso porque o roteiro, escrito pelo também diretor Fernando León de Aranoa, é baseado no livro “Amando Pablo, odiando Escobar”, escrito por Virginia Vallejo, uma das amantes do famosíssimo narcotraficante. Em tese, o material-base é excelente, já que traria memórias fidedignas de alguém que presenciou boa parte da vida do comandante do Cartel de Medellín. Entretanto, ou o livro é ruim, ou a transição para roteiro foi mal feita: o texto é extremamente superficial e deveras falho (apesar do bom desfecho).

Narrativamente pavoroso, a progressão narrativa é caótica. Embora o longa retrate um período de pouco mais de dez anos (décadas de 1980 e 1990), é cronologicamente confuso e tão veloz que tudo parece acontecer em um mês. A ascensão e a queda de Escobar representam momentos demasiadamente efêmeros (o mesmo se aplica ao relacionamento dele com Virginia), impedindo que o público absorva a magnitude que ele representava na época. Ainda, o início in media res em nada colabora, salvo para tornar a película mais longa – duas horas de um storytelling muito ineficaz.

Não fica claro o que Virginia viu em Pablo para se relacionar com ele (lembrando que ela já tinha uma profissão e uma carreira profícua). Aparentemente, foi seu poder e sua influência, já que ele mesmo diz isso para ela (comparando-a com sua esposa, que se interessou quando ele não tinha sequer um peso na carteira), chamando-a, em outras palavras, de interesseira. É visível que ela gosta das festas, do poder e do dinheiro que ele lhe proporciona, enquanto ela mesmo admite a decisão de não se importar em como Pablo ganha seu dinheiro, mas como ele o gasta. Entretanto, a lógica aponta que ele tinha algo a mais, que ele era bom para ela além de constituir um provedor. Afinal, se o roteiro do filme é baseado no livro dela, dificilmente ela admitiria ter sido uma interesseira.

De todo modo, quando ela diz amá-lo, jamais aponta a razão. O que empolga Virginia são os momentos de “badalação”, como nos eventos sociais (quando ela conhece o sistema de “castas”). Embora isso seja uma falha do plot, é também uma virtude, pois dá uma nova dimensão à personagem, que não foi mera vítima do inescrupuloso Escobar: ela se beneficiou quando pode e não quis mais nada quando percebeu que estava sendo prejudicada. Seu sentimento parece transformar-se de amor para medo e de medo para ódio, o que é crível. Penélope Cruz vai bem como Virginia, mesmo aquém do seu potencial. Provavelmente, ela é a melhor do elenco.

Javier Bardem não interpreta mal sua versão de Pablo Escobar, porém a simplicidade com que o texto molda a personagem afeta a sua atuação. A caracterização física é surpreendente, como o cabelo encaracolado e, principalmente, o sobrepeso, embora este elemento corporal pareça fruto de implantes. Apesar da mencionada fragilidade narrativa do roteiro, assim como Virginia, Pablo não é uma personagem unidimensional: finge para si mesmo que é um pai preocupado, um marido fiel e um homem trabalhador; consegue aliciar muitos aliados, sem deixar de ter, contudo, inimigos poderosos; e adquire progressivamente uma insensibilidade em relação aos riscos naturais da área em que atua. É curiosa a maneira como ele encara o tráfico de entorpecentes: um trabalho como qualquer outro (que ele começa a ensinar para o filho), embora implique alguns riscos (o que o motiva a orientar Virginia sobre segurança). A frieza monotônica de Bardem é condizente com o papel, evitando o caricaturesco.

É espantosa a ausência de criatividade da direção. O único momento inventivo (adjetivo que não é sinônimo de original) se refere a uma associação entre o texto e a música “Let it snow”. Nesse sentido, a trilha musical é boa (outro bom momento ocorre com a música “Black magic woman”, da banda Santana), porém sua presença é decrescente, fato que causa, no mínimo, estranheza. León de Aranoa acaba desviando de cenas de maior intensidade, como a que Pablo leva a filha para tomar sorvete e a de um cruel assassinato, o que não combina com um enredo turbulento como deveria ser o do filme.

Se existe um bom elemento em “Escobar – a traição”, é o figurino. No caso de Pablo, as vestimentas costumam ser em tons pastéis e sem elegância, deixando claro que ele prefere o luxo em sua vida em outros aspectos, ao menos para si. Diversamente, Virginia sofre uma repaginada no visual, em termos de penteado e figurino, adotando um estilo mais elegante que o anterior ao relacionamento, com colares (um deles de pérolas) e terninhos (o primeiro, off-white, simbolizando a paz que ela atinge; depois, vermelho e mesmo roupas de tons mais escuros, demonstrando a transição da personagem para momentos mais tormentosos da sua vida). Desse ponto de vista, o filme é muito bom. Lembrando, porém, as diversas falhas do roteiro e a fraca direção, facilmente se constata que o longa é uma enorme decepção que não justifica sequer seu elenco qualificado (por sinal, o que Peter Sarsgaard faz ali!?).