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“EU SOU MAIS EU” – Um passo à frente

Quando um filme é feito para um nicho específico de fãs, a probabilidade de acerto, independentemente da qualidade, é muito alta. Mesmo que a obra recicle clichês e subestime o público, basta dar aos fãs o que eles querem que eles ficarão satisfeitos. No caso dos fãs da Kéfera, basta que ela esteja nos holofotes. E de fato ela é o centro de EU SOU MAIS EU. O que não quer dizer que o filme é bom.

Interpretada pela youtuber Kéfera Buchmann, a protagonista Camilla Mendes é uma estrela do pop cuja fama subiu à cabeça. Arrogante e grosseira com todos, uma fã faz com que ela volte para o ano de 2004, reviva a não muito glamurosa adolescência e aprenda a ser mais ela.

Cartaz de “Eu sou mais eu

Tudo começa com o centro das atenções: Kéfera ainda não é atriz – ou ao menos uma atriz razoável. Depois do torturante “É fada”, houve um progresso em relação ao projeto (isto é, o filme), mas não no que se refere ao seu trabalho. Cantando com voz digitalizada e acreditando que a personalidade se exibe através de expressões faciais imutáveis, a exagerada caracterização visual em nada contribui para fazer dela uma intérprete. Olhar sério não é suficiente para demonstrar arrogância. Boca constantemente aberta não basta para expor uma adolescente objeto de bullying. E os apetrechos visuais são de um excesso cartunesco: aparelho nos dentes, cabelo desarrumado, óculos “fundo de garrafa”, esmalte colorido nas unhas, maquiagem discretíssima e casaco marrom com adereços chamativos, de um lado, e short jeans curto, salto alto e cabelo liso, de outro. Aprender a chorar de forma convincente seria um bom começo.

Seu parceiro de cena é João Côrtes, que, embora sem brilho, mostra o que é atuação (embora o minimalismo – do ponto de vista comparativo, ressalte-se – da caracterização ajude na análise do seu trabalho). Para Giovanna Lancellotti vale o mesmo, enquanto Felipe Titto é quase um objeto cenográfico, sem personalidade, mas com um abdômen que desnecessariamente participa de uma cena para expor a frivolidade de Camilla.

Nesse sentido, o roteiro de Angelica Lopes e L.G. Bayão é de uma didática flagrantemente estúpida, subestimando em demasia seu público. Piadas como “velha gostosa aos trinta anos” e falas expositivas como “garota que não pega ninguém, sem peito, sem bunda, não se depila” são fartas, na insistência em deixar clara a mensagem referente ao risco de a fama subir à cabeça de uma pessoa. O problema não está na mensagem em si (apesar da criatividade zero, é válida), mas na abordagem simplista, excessivamente pedagógica e deveras clichê.

O plot é assumidamente inspirado nos filmes sobre viagem no tempo, mencionando expressamente “De repente trinta”, embora esteja bem mais próximo de “Dezessete outra vez” e queira ter momentos “Meninas malvadas”. Ao lado da “armadilha da fama” está o bullying como mote, porém a ausência de originalidade é incômoda. Para não dizer que não há nada que chame a atenção positivamente, Arthur Kohl vive uma figura afetiva interessante, um avô descolado, cover de Willie Nelson, não apenas preocupado com a neta por assumir uma posição paterna perante ela, mas disposto a ser também um amigo (o momento em que eles conversam sobre sexo e drogas é quase cômico e consegue ser terno).

A escolha da trilha musical por Rodrigo Lima é questionável, na medida em que parece aleatória. “Pelados em Santos” (Mamonas Assassinas), é de 1995; “Heloísa, mexe a cadeira”, de 1998; “Cheguei” (Ludmilla), de 2016. Muito mais coerente “Melô da popozuda” (De Falla, 2000), “Ragatanga” (Rouge, 2000), “Qual é” (Marcelo D2, 2003) e “Máscaras” (Pitty, 2003) – ressaltando que a maior parte da história se passa em 2004, tendo o filme o objetivo de retomar alguns elementos dos anos 2000. Se não fosse esse o caso, o diretor Pedro Amorim não teria dado ênfase ao celular sem touch screen, ao “jogo da cobrinha” ou ao (hoje cômico) Abtronic.

A mise en scène de Amorim é boa no prólogo, um clipe musical que adota bem a linguagem dos clipes e coloca uma versão dominatrix de Kéfera. O uso de split screen na cena do handebol é outro exemplo de que há valores que poderiam ser melhor aproveitados na película. É paradoxal que, em um filme que usa um liquidificador como inusitado elemento para situar temporalmente o espectador, haja uma simplicidade textual e um exagero visual que comprometam a obra inteira. Do ponto de vista da carreira, porém, Kéfera talvez tenha dado um passo à frente.