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Frank Capra e a fábula popular

Frank Capra era um otimista. Ao menos é o que se enxerga quando olhamos para o diretor através do filtro de seus filmes. A esperança, a fé e a humildade caminhavam pelas suas obras com liberdade e inspiraram milhares de pessoas ao longo dos anos, conforme seus filmes chegavam às salas de cinema. Dono de um humor muito ingênuo e honesto, Capra se tornou, possivelmente, o primeiro dos grandes diretores a terem seus filmes reconhecidos junto com o próprio nome do autor – muito antes do chamado “cinema de autor”, que viria a se popularizar a partir de meados da década de 1960.

Nascido na Sicília em 1897, sua família se muda para os Estados  Unidos em 1903, em busca do “sonho americano” – algo que só aconteceu algumas décadas depois quando Capra entra no mundo do cinema. Nesse período sua família não chegou a ver a tão sonhada oportunidade que o continente americano dizia oferecer. Ele vendeu jornal e tocava músicas folk em pequenos bares para tentar ajudar a pagar as contas. Em 1918, enquanto o mundo celebrava o término da Primeira Guerra Mundial, Capra estava se formando em Engenharia Química para nunca exercer a profissão. E é quando ele entra para o cinema.

Sem ter qualquer experiência na área, Capra consegue convencer o produtor Walter Montague a dirigir seu primeiro filme, “The Ballad of Fisher’s Boarding House” (1922), uma adaptação (roteirizada pelo próprio Capra) do poema homônimo de Rudyard Kipling. O filme não foi exatamente um sucesso, mas Capra estava apenas começando.

Os próximos anos marcaram a grande escola de cinema pela qual o novato diretor passou. Junto com o comediante Harry Langdon (“O Andarilho”), Capra atravessou a década de 1920 trabalhando como diretor e roteirista de comédias e construindo a base do que viria a ser sua carreira nos anos seguintes. Filmes como “O Homem Forte” (1926) fizeram seu nome aparecer no radar dos grandes estúdios e dos produtores mais relevantes da indústria. Quando o próprio Langdon desfaz a parceria com Capra (dizem as más línguas que o ator sentia-se ofuscado pelo sucesso do parceiro), não demorou muito para que o produtor Harry Cohn o contrata-se para dirigir e roteirizar filmes para a Columbia Pictures. A parceria não poderia ter sido mais feliz.

O Homem Forte – 1926

Os trabalhos mais consistentes de Capra foram realizados nesse período. Sua relevância no meio era tão grande e seu domínio da arte se tornou tão absoluta que ele conseguiu a incrível façanha de ganhar as cinco principais estatuetas do Oscar com “Aconteceu Naquela Noite” (1934) (o feito só seria repetido outras duas vezes, com ‘’Um Estranho no Ninho’’ [1975] e ‘’O Silêncio dos Inocentes’’ [1991]). O filme carrega todo o espírito “capriniano” disponível. De uma sensibilidade gigantesca, Capra conseguiu atingir o ápice de uma carreira que ainda teria outros diversos clássicos.

Nesta época o diretor já havia deixado claro qual era a sua intenção como realizador: contar histórias. Diferente do excêntrico Orson Welles, com quem viria a ser comparado pela maneira como retratava a sociedade estadunidense (porém com visões opostas neste sentido), Capra não se permitia ser maior que seus filmes. Seu nome certamente o era (não por acaso sua autobiografia chamou-se ‘’Frank Capra: The Name Above the Title’’, numa referência ao fato de ter sido o primeiro cineasta a ter seu nome acima do título dos filmes nos cartazes, antes mesmo do Mr. Hitchcock), mas isso não o impedia de assumir uma discrição absoluta enquanto diretor. Seus filmes narram histórias simples, não há maneirismos nem trejeitos. Ele conduz a narrativa, quem guiava a história eram suas personagens.

Basta olhar para filmes como “O Galante Mr. Deeds” (1936). Longfellow Deeds é um humilde e honesto poeta, de Mandrake Falls, que ao ser anunciado como herdeiro único de um milionário tio, se vê obrigado a deixar a pacata cidade onde vive para conviver com empresários que só querem se aproveitar de sua fortuna e sua ingenuidade. Toda a história (que sim, ganhou um remake com Adam Sandler) é a jornada de um homem simples, que não irá abrir mão do que há de melhor dentro dele. Não há planos mirabolantes nam reviravoltas para confundir o público, a história é contada da maneira mais simples possível.

Nesse momento, Capra parece se empenhar em narrar fábulas de caráter moral e populista. Seus filmes vão mostrar como a bondade pode superar os problemas do mundo. Com um espírito utópico e, a seu próprio modo, conservador, sua filmografia começa a deixar a comédia de lado para investir em dramas como “Do Mundo Nada se Leva” (1938) e “A Mulher Faz o Homem” (1939), talvez o seu mais impecável trabalho. Sempre com o espírito sonhador de que a bondade irá superar as dificuldades e a honestidade irá superar a corrupção (seja social ou espiritual). Há que se lembrar que todos esses filmes foram produzidos durante a Grande Depressão e retratavam o mais típico cidadão dos Estados Unidos, que se não tinha emprego por um lado, pelo outro não deixava de acreditar que as coisas poderiam melhorar. Suas personagens eram exatamente a população sofrida do país, e as histórias que elas contavam era a que tantas pessoas desejavam viver.

A Mulher Faz o Homem – 1939

Entre os anos de 1942 e 1945, Capra se dedica a um novo formato: o documentário. Ele lança uma sequência de 12 trabalhos, que narram os terríveis acontecimentos da Segunda Guerra Mundial (seu único longa de ficção no período é o excelente “Esse Mundo é um Hospício” [1944]). Sua visão para o conflito ainda garantiu um Oscar de melhor documentário com “Prelúdio de uma Guerra” (1942), o primeiro trabalho da série.

Com o término do conflito Capra funda a Liberty Films, produtora independente com a qual ela lança “A Felicidade Não Se Compra” (1946), que acabou se tornando o seu filme mais popular, apesar de ter se tornado um fracasso de bilheteria. O sucesso acabou sendo uma obra do acaso (um elemento comum nos filmes do diretor). Todos os anos o filme era exibido na época do natal nas emissoras de televisão, que com o tempo perceberam que o público parecia se importar com a história (em “Gremlins” [1984] é feita uma menção a este fato, com o próprio filme evocando constantemente a obra de Capra). Assim “A Felicidade Não Se Compra” passou a ser um dos mais importantes filmes de natal dos Estados Unidos (isso vale até os dias de hoje). O próprio diretor reconhece como sua obra mais relevante:

“acho que, provavelmente, é meu filme mais forte. É meu favorito. Porque ele resume tudo o que tentei expressar em meus outros filmes. Nunca encontrei uma história tão singular. Um homem que se achava um fracasso recebe a oportunidade de ver como seria o mundo se ele não existisse.”

Nesse momento sua carreira começa a declinar com considerável velocidade. Quando ele lança “Sua Esposa e o Mundo” (1948), filme que também não obteve sucesso de bilheteria, o diretor se viu obrigado a vender a Liberty Films para a Paramount, que encerrou as atividades da produtora em 1951, com aprovação do próprio Capra (ao menos é o que dizem). Sua carreira nunca mais chegou perto do topo. Seus próximos filmes tiveram recepção discreta e o diretor chegou a dirigir remakes de suas primeira obras. O fim chegou em 1961 com “Dama por Um Dia”. Nesse período a fase de ouro de Hollywood já havia passado. A era das nouvelle vague e do alvorecer do “cinema de autor” (do qual Capra fora o precursor) varreu o mundo e levaria uma década inteira até que Hollywood conseguisse se reerguer.

O fim de Capra não deve ser considerado trágico. Ele foi responsável por filmes que resistiram ao tempo, e só por isso ele já se distancia de outros tantos nomes – alguns dos quais talvez ainda sejam resgatados em momentos futuros. Sua visão inocente da bondade do ser humano cativou inúmeras pessoas e ainda evocam um sentimento agradável em quem procura conhecer ou revisitar suas obras. Na sua, já citada, autobiografia, ele mostra como estava ciente de seu trabalho e como buscava seguir a filosofia demonstrada nos seus filmes (que, convenhamos, é a velha máxima da meritocracia, mas não sejamos anacrônicos e vamos dar um mérito para ele, eram tempos diferentes). Suas obras jamais foram esquecidas em Hollywood. Sua carreira foi gigantesca apesar de seus últimos anos terem sido destinados a um certo esquecimento. No dia 3 de Setembro de 1991, seu coração bateu pela última vez. O mundo dava adeus a um dos primeiros grandes diretores da história do cinema. Sua obra, porém, nunca esteve tão viva.