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“HALLOWEEN” (1978) – A ascensão dos slasher movies

Assassinos psicopatas indestrutíveis e portadores de alguma máscara povoaram os filmes de terror das décadas de 1970 e 1980. Os slasher movies se tornaram um subgênero muito presente na Hollywood do passado recente e figuras icônicas ganharam projeção no imaginário popular. Leatherface inaugurou o estilo em “O massacre da serra elétrica”, de 1974, e Michael Myers em HALLOWEEN, de 1978, contribuiu para seu desenvolvimento, que ainda teria Jason Voorhees de “Sexta-feira 13”, de 1980, como um terceiro representante.

Em 1978, plateias ao redor do mundo se assustaram com o aparecimento de Michael Myers e com sua brutalidade inexplicável. O serial killer foge da instituição psiquiátrica, onde esteve internado por quinze anos após ter assassinado sua irmã, e retorna à sua cidade natal, a fictícia Haddonfield, em Illinois. Lá, ele continua sua série de crimes até encontrar a protagonista Laurie Strode. Diferentemente do que o subgênero se tornou com o passar dos anos, esse filme dispensa a dependência de jump scares (os poucos existentes se situam somente no terceiro ato) e prefere a construção de uma atmosfera psicológica de medo e tensão constante.

O terror psicológico e a agonia frente à uma ameaça desconhecida são estabelecidos pela direção de John Carpenter. O cineasta, ao longo das décadas de 1970 e 1980, foi um dos nomes mais influentes do suspense e do terror através de um estilo de filmagem cuidadoso e interessado em formas inteligentes de provocar o medo ou o incômodo (“Enigma de outro mundo” é seu mais bem-sucedido trabalho nessa linha). Em “Halloween”, ele constrói sua estética em cada plano longo, em cada câmera estática e em cada pequeno movimento da câmera (a partir do uso de travellings e da steadicam). É assim que o público se sente desconfortável por não saber quando será o primeiro ataque (eles custam a começar, ainda que Michael Myers seja frequentemente mostrado repentinamente ao fundo em várias cenas, observando os personagens).

No quesito direção, o mesmo cuidado também aparece na forma de filmar o assassino psicopata. Leva muito tempo até que ele seja enquadrado em primeiro plano e, quando isso acontece, o diretor o mostra de corpo inteiro, porém envolto em sombras e sempre com sua máscara característica (seu rosto desfigurado é revelado por pouquíssimos segundos durante uma luta). Enquanto a exibição do vilão não ocorre, outras técnicas são utilizadas para sugerir sua presença: na abertura do filme, o espectador assiste às primeiras sequências e ao primeiro assassinato de Michael Myers (ainda criança) no ponto de vista subjetivo do personagem (o início é duplamente chocante por trazer uma criança cometendo crime tão aterrador e também por escolher o recurso narrativo que escolheu); e, no decorrer dos dois primeiros atos, planos em que ele é visto à distância ou com a câmera enquadrando-o por trás ou parcialmente.

O próprio John Carpenter também constrói a angústia de seu filme através da trilha sonora, assinada por ele mesmo. “Halloween Theme Main Title” se tornou icônica ao simbolizar as aparições repentinas de Michael Myers e a tensão por elas provocadas, ainda que em alguns momentos a trilha sonora seja usada repetidas vezes, inclusive em cenas em que o vilão não aparece. Em termos rítmicos, Carpenter combina notas de piano tocadas insistentemente com notas de instrumentos de corda esticadas ao máximo, obtendo como resultado uma melodia perturbadora e angustiante – do tema central, surgem algumas variações que obedecem ao mesmo padrão e geram os mesmos efeitos dramáticos. Para reforçar o desconforto e a tensão, ainda há a inserção do efeito sonoro da respiração de Michael Myers sobre a máscara.

Nesse tipo de filme, as atuações não são exatamente uma preocupação central. Muitos atores possuem papeis unidimensionais e apenas servem ao propósito da trama: são vítimas que precisam demonstrar o medo diante do assassino e, portanto, não têm arcos dramáticos a serem desenvolvidos. Laurie (vivida por Jamie Lee Curtis) exemplifica uma personagem simples, que apenas recebe tratamentos distintos ao longo da narrativa: começa como símbolo de moralismo (é a única das vítimas que sobrevive, porque é dedicada ao trabalho como babá e não se preocupa com namoro ou sexo) e passa a ter alguma força por enfrentar o psicopata, a despeito de seu medo.

O moralismo presente nas mortes de jovens que estão namorando ou transando não é o único aspecto digno de crítica na obra. Também há algumas sequências ou situações que se tornariam clichês posteriormente, responsáveis por enfraquecer algumas passagens. O telefonema atendido que não tem resposta do outro lado da linha e personagens extremamente corajosos (ou burros) que insistem em querer investigar algo estranho que aconteceu ao seu redor exigem uma suspensão de descrença muito grande do público.

Tais defeitos, entretanto, não invalidam o fato de que “Halloween” contribuiu para a história do cinema de terror e deixou marcas na cultura pop (a imagem de uma abóbora com olhos e boca cortada de modo assustador e a própria figura de Michael Myers). Se as continuações caíram na simplicidade da linguagem cinematográfica, na autoparódia ou no exagero dos jump scares, a culpa não foi de John Carpenter nem do filme original. Essa combinação, pelo contrário, se baseou em aspectos técnicos apurados para entregar um slasher movie sério e de qualidade.