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“HELLBOY” (2019) – Pior que deplorável

É difícil elencar uma virtude da nova versão cinematográfica de HELLBOY. Dirigido por Guillermo del Toro, a versão de 2004 tinha suas falhas, mas era respeitável. Em 2019, o remake apresentado ao público é deplorável – e esse adjetivo é mais do que a produção merece.

No longa, o lendário Hellboy está acostumado a trabalhar para o governo enfrentando ameaças sobrenaturais. Seu próximo desafio, entretanto, é uma poderosa bruxa decidida a se vingar da humanidade, cujos poderes vão além de tudo o que ele conhece.

Cartaz de “Hellboy

A aposta da produção em David Harbour não poderia ser mais equivocada. O ator teve a carreira catapultada pela série “Stranger things”, contudo sua versão de Hellboy é irritantemente inexpressiva. Trata-se de um protagonista sem carisma, deveras antipático e afogado por dúvidas existenciais óbvias. Evidentemente, parcela disso se deve ao perfil de adolescente arrogante criado pelos roteiristas Andrew Cosby e Christopher Golden, o que talvez seja obediência à ideação original de Mike Mignola. Entretanto, há um exagero notório na infantilidade do herói.

O elenco de apoio, em tese, daria conta de dar a Harbour subsídio. Na prática, todos falham: Ian McShane tem em Professor Broom um repetidor monotônico de falas; Milla Jovovich deve ter ficado feliz ao receber pela mera presença em cena, sem atuar; Daniel Dae Kim tem a sorte de interpretar uma personagem com arco dramático próprio, que, contudo, é previsível e extremamente supérfluo; e Sasha Lane demonstra vontade de atuar, o que, todavia, o roteiro impede. No caso desta, é visível o desperdício da atriz, que já tinha chamado a atenção (positivamente) em “O mau exemplo de Cameron Post” (cuja crítica pode ser lida clicando aqui), mas que não pôde fazer milagres com Alice.

O roteiro do longa é uma bagunça sem igual. Das lendas do Rei Arthur a gigantes, o plot transita pelas mitologias mais variadas sem criar efetivamente uma própria, alongando-se por cerca de duas horas sem mostrar a que veio. Isso sem contar em uma explicação mal feita que induz a um equívoco histórico. Ironicamente, o texto é repleto de explicações, algumas vezes reiteradas, em um didatismo bastante falho (repetir não é sinônimo de explicar bem).

Tratando-se de, por assim dizer, um filme de super-herói (a despeito de ser um anti-herói, Hellboy luta contra o mal e tem habilidades especiais), a película erra (também) na construção dos vilões. Dos três principais, uma é genérica, um é movido por uma vingança imbecil e absurdamente tardia e a outra serve apenas para uma cena que infla ainda mais o script. As (tentativas de) piadas presentes em algumas falas nunca são funcionais, não somente porque Harbour não demonstra timing cômico, mas também pela falta de vocação para o humor.

Neil Marshall colabora com os incontáveis deméritos da obra. Sua direção é agitada, todavia desinteressante, quando não confusa. Nas cenas de ação, os planos-sequência seriam bons, não fosse o CGI de péssima qualidade (o chroma key é inferior ao filme de 2004). É verdade que há momentos esparsos com alguma competência visual (como a sequência em que Hellboy confronta Baba Yaga, que é dispensável narrativamente, mas esteticamente aceitável), porém o que prevalece é um nível inegavelmente sofrível (como a aparência falsa do porco e o gore plástico).

Sequer a maquiagem, elemento básico para a produção, consegue ser boa, pois o protagonista é mal feito (novamente, inferior à versão de 2004) e explicitamente artificial. A trilha musical de Benjamin Wallfisch conta com canções boas, mas aleatórias – na verdade, sua presença excessiva deixa ainda mais claro o quão genérica ela é. O diretor de fotografia Lorenzo Senatore está tão perdido que não consegue ao menos dar unidade estética aos flashbacks, que começam em preto-e-branco – com um detalhe em vermelho de causar arrepios em Janusz Kaminski (responsável por “A lista de Schindler”) -, mas depois mudam inexplicavelmente (filtro amarelo, filtro acinzentado, sem filtro etc.).

Não é possível dizer, infelizmente, que o filme é um alento quando se encerra. O desfecho abre a possibilidade de uma continuação e a cena pós-créditos é simplesmente pavorosa (no pior sentido da palavra), traduzindo tudo o que a precede.