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“HISTÓRIAS ASSUSTADORAS PARA CONTAR NO ESCURO” – Histórias genéricas para contar no cinema

As histórias realmente mexem com a humanidade de uma forma bem especial. Quando uma boa história sabe como gerar curiosidade, todos querem conhecer o final. Ela também pode, como diz HISTÓRIAS ASSUSTADORAS PARA CONTAR NO ESCURO, moldar identidades, criar verdades ou mentiras, curar e machucar. Ou até mesmo desperdiçar uma possibilidade razoavelmente eficiente por conta de um filme genérico e pouco assustador.

Cartaz de “Histórias assustadoras para contar no escuro

A partir da adaptação do livro homônimo escrito por Alvin Schwartz, o roteiro criado por Kevin e Dan Hageman e Guillermo del Toro tem como ponto de partida os mistérios envolvendo o casarão da família Bellows na cidade de Mill Valley. Um tragédia se abateu no século XIX sobre Sarah, uma jovem escritora de histórias de terror que tem um relacionamento ruim com os pais. O tempo avança até o ano de 1968, quando um grupo de adolescentes descobre o livro de Sarah e se depara com histórias que começam a se tornar reais.   

É interessante perceber como as primeiras cenas apresentam os quatro personagens principais de modo contundente: Stella, Auggie e Chuck são três amigos excluídos pelos outros adolescentes, que sofrem bullying dos atletas da escola e se divertem vestindo fantasias no Halloween. Nesses primeiros momentos, a câmera enquadra os acontecimentos em contreplongée, valorizando os jovens e criando uma imponência estética; as relações entre os personagens se baseiam em uma irresponsabilidade inesperada (os quatro reagem ao bullying sofrido de forma dura, como se vê no plano elaborado para atacar o carro de seus antagonistas); e a canção “Seasons of the witch” de Lana del Rey embala muito bem a contextualização melancólica do dia das bruxas. Porém, essa abordagem é abandonada em favor de um estilo previsível de terror, que repete fórmulas batidas e não explora satisfatoriamente seu tema.

Entre as fórmulas consagradas, está a do grupo de adolescentes que menospreza algo sobrenatural e sofre as consequências de uma maldição antiga. Após encontrarem o livro de Sarah Bellows e tentarem descobrir sobre o passado dela, são surpreendidos pela concretização dos contos macabros sobre os quatro amigos através de uma série de perigos mortais. Contudo, a construção da tensão e do medo advém do acúmulo de clichês como se houvesse uma checklist de clichês a ser cumprida: a mansão mal-assombrada na qual os personagens entram sem razão aceitável; a lenda antiga de uma maldição ao redor da tragédia ocorrida no local; as pessoas que se separam dentro da casa apenas porque o roteiro precisa disso; uma ação ridícula sem justificativa que libera o mal preso ali dentro; os objetos amaldiçoados ou representativos da ameaça (uma caixinha de música e o livro surrado).

Enquanto a preparação para o terror é falha, a revelação do horror é irregular. Por um lado, o design das criaturas que atacam Stella, Auggie, Chuck e Ramón é exitoso porque utiliza os efeitos práticos para tornar a ameaça palpável (incluindo também as composições variadas do espantalho, da mulher deformada e da criatura demoníaca); e os riscos são acentuados por algumas sequências de fotografia estilizada, como o hospital psiquiátrico banhado pelo vermelho e a alternância entre o passado, repleto de cores vivas, o presente, mergulhado em cores frias, da casa mal assombrada. Por outro, o diretor André Øvredal desperdiça o potencial dos momentos mais impactantes ao recorrer a alguns jump scares, a planos fechados com movimentos de câmera acelerados e a enquadramentos que não fortalecem o sentimento de repulsa das situações desagradáveis da trama; e somente utiliza os medos dos adolescentes para criar provações que precisem ser superadas, já que não são trabalhados em nenhuma outra passagem de suas jornadas.  

O modo como os medos são inseridos à narrativa – diálogos autoexplicativos para justificar a criatura prestes a aparecer por conta da história escrita nas páginas do livro – é o sintoma evidente da falta de desenvolvimento dos personagens. Os temores não são utilizados para dar nuances aos jovens nem para colocar desafios importantes em suas evoluções, afinal eles não dialogam com a trama (um pesadelo e um conto ouvido em frente a uma fogueira produzem os medos, porém não se relacionam com a trajetória dos adolescentes ao longo do filme). Além disso, cada personagem principal pode ser resumido por uma característica simplista e limitadora desprovida de camadas ou conflitos, de fato, significativos para a produção: Chuck e Auggie são o alívio cômico (fracassado por sinal), Ramón é o imigrante vítima de preconceito e Stella é aficionada por terror e traumatizada pela partida da mãe.

É somente na conclusão do terceiro ato que “Histórias assustadoras para contar no escuro” parece se lembrar da base fundamental de sua proposta: como as histórias marcam aqueles que as leem ou consomem de alguma maneira. Há algumas boas ideias sobre esse tema espalhadas pela narrativa, como o fato de que as histórias de terror no livro de Sarah estejam escritas com sangue, a descoberta de Stella do que precisa ser feito para se salvar e sua disposição derradeira de continuar usando o livro. Porém, entre as interessantes cenas iniciais e as ideias eficientes exemplificadas no final, o filme apenas apresenta uma história genérica para contar no cinema.