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“HOTEL ARTEMIS” – Paradoxo otimista

Como seria um futuro com a água controlada por uma empresa privada não muito benevolente com a sociedade? A privatização da água está na pauta política contemporânea, o que faz com que essa ideia inicial de HOTEL ARTEMIS se torne, no mínimo, provocativa. Existem outras boas ideias no longa, porém camufladas em um texto demasiadamente confuso.

O filme se passa em 2028, em Los Angeles, onde um hospital (chamado Hotel Artemis) é especializado em acolher criminosos. No dia em que a enfermeira flexibiliza as rígidas regras do local, tudo começa a dar errado e o perigo é generalizado. O enredo já expõe uma das mensagens do longa: regras existem para serem seguidas. O Hotel Artemis sempre prezou pela segurança dos funcionários (a enfermeira e seu ajudante) e dos clientes, com credenciamento e proibições – algo semelhante ao hotel em que John Wick costuma se hospedar, em “De volta ao jogo”.

São várias as reflexões que o longa propõe, talvez a principal seja o caos gerado pela privatização da água, em especial no momento em que a empresa responsável pelo seu fornecimento estabeleceu um corte, indignando os populares. O diretor e roteirista Drew Pearce enxerga um futuro perigosamente bélico para a sociedade, o que acaba não tendo a eficácia que poderia pelo excesso de informações que quer transmitir – apenas o universo diegético caótico já é muito. O roteiro é criativo nas ideias, porém majoritariamente desastroso na execução, salvo no arco dramático da protagonista.

Uma Jodie Foster desgastada (cabelo grisalho, rugas e um leve sobrepeso) interpreta a enfermeira (e gerente) do Hotel Artemis, que trabalha lá há vinte e dois anos. É seu instinto maternal que a provoca a aconselhar um cliente criminoso, a acolher seu ajudante e a tratar uma policial conhecida de sua vida pregressa. Ela não faz nenhum julgamento moral sobre ninguém, parecendo anestesiada após um trauma pessoal, que a enclausurou no labor e no álcool. Quando ela diz que “sair é mais difícil que entrar”, ela não se refere apenas ao Hotel Artemis – que é quase uma fortaleza, necessidade dos tempos -, mas à forte depressão que sente há anos. Quando a película exige drama de Foster, a atriz mostra o quão diferenciada é (e não poderia deixar de ser o grande atrativo da produção).

Diversamente, as demais personagens são extremamente rasas. Enquanto Sterling K. Brown é essencial ao viver Sherman, o motor da narrativa, Charlie Day interpreta uma personagem praticamente inútil na trama (quando não irritante). Sofia Boutella está em um de seus piores trabalhos, mesmo considerando que o papel de femme fatale não lhe é novidade. Zachary Quinto dá vida a Cros, filho do grande gângster da cidade, mas que não é racional o suficiente para suceder o pai. Quinto é partícipe de dois dos piores momentos do longa, ainda que não por sua culpa: em um deles, precisa convencer o público do laço afetivo nutrido pelo genitor, todavia pai e filho são desconhecidos naquele momento, o que faz com que o espectador não se importe com nenhum deles (muito menos se comova pelo suposto afeto); no outro, ele inexplicavelmente surge em um lugar que não deveria sequer saber como chegar. No elenco também está Dave Bautista: seu Everest, ajudante da enfermeira, cumpre o seu propósito de ser um segurança do Hotel Artemis, contudo a inexpressividade do ator para o drama é gritante (há também um pequeno defeito de continuidade: seu crachá some e reaparece imotivada e inexplicavelmente).

Pearce foi inquestionavelmente criativo em seu filme. O futuro que ele imaginou não é tão distante, então, com coerência, ele não inventa uma tecnologia estrambólica (holograma, inteligência artificial com uso na medicina e câmera em lente de contato são exemplos dos avanços, todos já existentes na ficção). Conforme já mencionado, na concepção, o filme é muito bom, como se percebe no convincente design de produção, em especial nos cenários (que simulam um hotel elegante e antigo). No design de som, a presença da clássica “California Dreamin’” é ótimo gatilho para o início, sobretudo para mostrar a subjetividade auditiva da protagonista, explorando a mixagem de som.

A fotografia acerta no escurecimento dos frames, salvo no que se refere às memórias da enfermeira (em que a filmagem ocorre em cenários mais claros), enfatizando a distinção temporal. No clímax, a iluminação vermelha combina com o vestido vermelho de Nice (Boutella), dois elementos simbolizando perigo. Por outro lado, a direção é frágil nas cenas de ação: por exemplo, na luta protagonizada por Boutella, muito melhor seria um plano-sequência, ao invés de um exagero nos cortes e uma filmagem cuja distância impede o espectador de vislumbrar a coreografia de luta.

O grande problema de “Hotel Artemis” é que seu roteiro é um emaranhado confuso de subtramas escondendo boas ideias, como a da privatização da água. Acapulco (Day) quase não tem relevância, Cros (Quinto) é unidimensional e Morgan (Jenny Slate) é mal explorada (em especial sua relação com a enfermeira), enquanto que Nice, Everest e Sherman não têm intérpretes à altura dos papéis (respectivamente, Boutella, Bautista e Brown). Como resultado, apenas Jodie Foster se dá bem no papel de uma mulher traumatizada e que abandonou a própria vida para cuidar dos outros em um mundo de desamparo. Em uma diegese de rebelião e sofrimento, o altruísmo é um paradoxo otimista quase invisível no caos do longa.