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“IT: CAPÍTULO DOIS” – Teria sido melhor não continuar

Os elogios feitos ao primeiro filme não podem ser repetidos para IT: CAPÍTULO DOIS. O longa de 2017 (cuja crítica pode ser lida clicando aqui) consegue dar camadas complexas à trama e às personagens, evitando jump scares gratuitos e excesso de surrealismo. Já o de 2019 é comparável ao que é geralmente visto nos filmes de terror: uma embalagem pouco preenchida por dentro.

Vinte e sete anos após os eventos do filme anterior, o Clube dos Perdedores (ou dos Otários, na legendagem) é convocado por Mike, único que continua morando na cidade de Derry. Para cumprir a sua promessa, Bill, Beverly, Ritchie, Eddie, Ben e Stan devem enfrentar o assustador e maligno palhaço Pennywise novamente.

Cartaz de “It: capítulo dois

Dessa vez, o roteiro não foi escrito a quatro mãos. Embora Gary Dauberman continue na tarefa e novamente utilize como base o livro de Stephen King, o script é paupérrimo em termos formais e materiais. Do ponto de vista narrativo, a divisão em cinco atos não é problemática, porém alguns deles são alongados em demasia (por exemplo, as sequências em que o grupo está separado, quando somadas, se tornam cansativas). Basta perceber que o filme tem duas sequências iniciais inúteis: a primeira é repetição do que já foi visto no longa anterior, apenas como recordação para a eventualidade de o espectador ter esquecido; a segunda, posto que ideologicamente elogiável (e com uma remota conexão de conteúdo), não tem praticamente nenhum elo narrativo.

Quanto ao conteúdo, a força do medo retorna, assim como os traumas das personagens, sem grandes novidades. O texto tenta ganhar profundidade ao mencionar, em voice over, reflexões de uma das personagens sobre a memória, divagando sobre aspectos a ela inerentes (esquecimento, memórias ruins etc.), todavia a abordagem é bastante superficial. Com algumas personagens, os reflexos dos traumas do passado são exibidos de maneira discreta, carecendo de algum exercício interpretativo – é o caso de Bill, que é incapaz de dar finais felizes às personagens que cria porque, no fundo, não conseguiu encontrar a verdadeira felicidade após tudo que passou na pré-adolescência. Com outras, porém, há uma decepcionante falta de criatividade – a esposa de Eddie é uma cópia da sua mãe (a sutileza passou longe), Beverly encontra um marido de personalidade similar à do pai (o que é jogado no colo do espectador como se não tivesse explicação psicológica).

A despeito das ressalvas, o elenco, mais uma vez, é excelente, com destaque para Bill Hader, Jay Ryan e James Ransone – sem olvidar Bill Skarsgard, que repete o trabalho fantástico como Pennywise (só que agora mais forte e bastante dissimulado). Hader fornece a Ritchie novas dimensões dramáticas (sem dúvida, a personagem mais complexa e que foi mais desenvolvida agora), o que combina bem com o timing cômico que o ator reconhecidamente tem; Ryan é uma versão ainda mais nobre de Ben, não muito aprofundada, mas coerente com a infantil; Ransone é impecável como o Eddie crescido (um dos raccords é feito por fusão no rosto dos dois atores, demonstrando o quão idênticos eles são). No caso dos medalhões do cast, Jessica Chastain é inegavelmente uma ótima atriz, contudo a vulnerabilidade que ela imprime em Beverly (com gritos, por exemplo) é um pouco questionável (parece que ela era mais corajosa antes, o que paradoxalmente não a impede de enfrentar os perigos agora); James McAvoy também é ótimo, mas parece que o ator tem desempenho melhor em papéis principais.

Novamente na direção, Andy Muschietti fornece uma película visualmente despudorada (a segunda sequência tem um nível altíssimo de violência) mais uma vez, mas agora bem mais dependente da fantasia. Há um número maior de cenas de alucinações, longuíssimas e por vezes tediosas, já que estúpidas. O terror não fica apenas com o palhaço, aparecendo outros seres supostamente assustadores (quando, na verdade, o maior medo que conseguem incutir é o que deriva de jump scares, como se isso fosse mérito artístico). Há também uma dependência negativa em relação ao CGI: certamente, o resultado seria melhor com prevalência de SFX (grosso modo, efeitos práticos) em detrimento de VFX (resumidamente, a união do que é filmado com o que é feito pelo computador).

Se a trilha musical, assinada por Benjamin Wallfisch, é um festival de clichês do gênero, a montagem de Jason Ballantine se esforça na inventividade (alguns raccords são realmente muito bons, como o da mão da Beverly na casa e a já mencionada fusão no rosto de Eddie). Mas o filme tem muitos erros básicos, como mudanças repentinas incoerentes (por que Beverly aceita tão facilmente ir a Derry, se tinha rejeitado a ideia de plano?) e flashbacks pouco críveis (quando as crianças teriam tempo, todas juntas, de se divertir no esconderijo feito por Ben? Beverly não iria embora da cidade?). Ainda pior: o filme viola a regra “show, don’t tell” ao fazer com que Mike narre, em voice over (outro recurso geralmente preguiçoso), as suas descobertas para Bill – a sequência é assustadora(mente pavorosa em termos narrativos, embora esteticamente razoável).

It: capítulo dois” não é um encerramento à altura dos ganchos deixados pelo seu predecessor. É um filme de quase três horas de duração pouco justificadas, mal preenchidas e decepcionantemente executadas. Se a continuação era só isso, teria sido melhor não continuar.