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“JOVENS MÃES” – Perda do potencial [49 MICSP]

Embora seja um filme de ficção, JOVENS MÃES poderia ser um documentário, como sói ocorrer nos filmes dos irmãos Dardenne. As principais características da filmografia dos cineastas, portanto, se fazem presentes. Como drama, todavia, o longa poderia ser bem mais impactante.

Jessica, Perla, Ariane e Julie são garotas que engravidaram precocemente e agora precisam lidar com as consequências de dar à luz. Elas coabitam em um abrigo para mães jovens, com a esperança de que tudo poderá melhorar.

(© Vitrine Filmes / Divulgação)

Os irmãos Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne mantêm no longa dois traços essenciais de sua filmografia. O primeiro, estilístico, se refere ao modo como dirigem a obra, norteando-se pelo naturalismo extremo. O retrato que fazem é bastante cru e apegado à realidade, tal como seria visto em um documentário, notadamente pelo emprego de câmera na mão e pela inexistência de trilha extradiegética. Da mesma forma, as tramas são críveis e pautadas em problemas sociais reais. Isso se relaciona com o segundo traço, consistente no foco em pessoas socialmente marginalizadas cujo arco narrativo demonstra que a solidariedade é o caminho ideal para superar problemas.

Desta vez, contudo, os cineastas elaboram um roteiro antológico, com narrativas concomitantes que praticamente não se conectam. Evidentemente, existe um fio condutor temático – a maternidade na juventude (ou mesmo adolescência), dificultada por contextos sociais desfavoráveis -, e, em momentos episódicos, as personagens se conectam (como quando Ariane liga para Robin). Entretanto, de maneira geral, cada uma tem seu próprio arco narrativo, independente das demais. Isso possibilita encaminhamentos diferentes a cada uma delas, mas é perceptível a preocupação em não causar um desnível.

Enquanto se recusa a explicar por que não abortou (a despeito da proposta dos sogros), Jessica (Babette Verbeek) deseja saber por que sua mãe, Morgane (India Hair), a entregou para adoção. Ela faz questão de deixar claro que, diferentemente de Morgane, vai cuidar da filha, como se quisesse se mostrar superior a ela, mas não por isso perde a vontade de entendê-la (o que, como é de se esperar, ocorre ao final, em uma cena tocante). Julie (Elsa Houben) parece ter mais sorte que as demais, pois está planejando um casamento com Dylan (Jef Jacobs), que é pai de seu bebê e o único que assume tranquilamente a paternidade. À medida que constrói a sua família, contudo, são revelados traumas do passado do casal que podem retornar com facilidade. Por sua vez, Ariane (Janaina Halloy) é a mais adulta, uma vez que a decisão relativa à filha é tomada com sobriedade (isto é, foi muito bem pensada antes). Diferentemente das demais, os problemas que lhe aparecem surgem em virtude de sua mãe, Nathalie (Christelle Cornil), em um conflito deveras interessante. O passado de ambas é extremamente traumático e, enquanto Ariane quer dar a Lili o lar que não teve, Nathalie quer corrigir os erros que cometeu (mesmo que suas ações não correspondam a essa vontade), como se o bebê da filha fosse uma segunda chance para a maternidade. Por fim, Perla é a personagem irascível do roteiro, uma garota impulsiva que discute com Robin (Günter Duret) e Angèle (Joely Mbundu) sempre que não consegue o que quer, o que revela sua infantilidade notória. Pueril, ela se coloca na mesma condição do frágil bebê perante a psicóloga (na cena em que afirma também chorar e ter fome); paradoxalmente, todavia, ela sonha com uma vida de um – nas suas palavras – “casal de verdade” junto a Robin, sem perceber que instrumentaliza o filho para conseguir manter o garoto ao seu lado. Seu amadurecimento acaba sendo o mais difícil.

De alguma forma, geralmente elas compartilham um padrão pautado em três atributos. Em algum grau, existe uma estranheza com a maternidade, que é, naturalmente, uma novidade em suas vidas. Igualmente, as relações interpessoais são insatisfatórias, seja com os familiares (principalmente com as próprias mães), seja com os namorados (em especial Perla). Além disso, todas saíram de um contexto social tóxico, alimentado por violência doméstica, drogadição, álcool e/ou abandono afetivo, o que as coloca em uma condição similar, em que pese aos arcos narrativos individuais (já que se trata de uma antologia). Diante disso, o filme emociona, mas seria muito mais tocante se costurasse os fios de trama com mais conexões ou tivesse uma punch scene (ou uma reviravolta). A segunda hipótese é quase inexistente na filmografia dos irmãos, mas a primeira colocaria em maior realce a solidariedade entre as personagens. As poucas conexões entre elas sugere que o apoio vem apenas de quem já existia (pessoas do passado), não de quem passou a existir (a psicóloga e as outras mães) em suas vidas. A lição, portanto, perde o seu potencial edificante.

Em tempo: são cinco garotas que aparecem na sinopse e nas imagens oficiais. Naïma (Samia Hilmi), porém, serve apenas como indicativo de que é possível superar os obstáculos que enfrentam, sem um arco narrativo desenvolvido pelo roteiro.

* Filme assistido durante a cobertura da 49ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).