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“MEGARROMÂNTICO” – Divirta-se com os clichês

Apoiar-se em clichês não torna, necessariamente, um filme inferior ou medíocre. Sabendo utilizá-los, é possível construir uma narrativa com convenções de gênero sensíveis e verossímeis que funcionem ou, até mesmo, se divertir com recursos muito familiares. As duas potencialidades são nítidas em MEGARROMÂNTICO, nova produção original Netflix, que chega ao catálogo do streaming aliando carisma, diversão e um trabalho eficiente com o modelo das comédias românticas hollywoodianas.

Cartaz de “Megarromântico”

A história gira em torno de Natalie, uma jovem arquiteta desejosa de ter seu trabalho reconhecido e também cética quanto à existência do amor. Em um dia que sofre uma tentativa de assalto, acaba se envolvendo em um acidente que a deixa inconsciente. Quando acorda, ela se vê presa, misteriosamente, em um “universo paralelo” dentro de um filme de comédia romântica. A estrutura do roteiro possui duas dimensões independentes do ponto de vista narrativo e estético, por mais que tenham pontos de interseção: a vida real, modesta e desanimada da protagonista e a realidade fictícia em que é atirada.

A primeira dimensão serve ao propósito dramático de apresentar as principais características de Natalie: o ceticismo quanto ao amor verdadeiro e à possibilidade de ser amada e admirada, devido ao seu sobrepeso e ao fato de não corresponder ao padrão social de beleza. Apesar de precisar introduzir o conflito central, os momentos iniciais cresceriam caso houvesse uma dose maior de sutileza e um refinamento maior na linguagem visual. Alguns personagens são concebidos como caricaturas forçadas e nada críveis (a mãe da protagonista somente tem falas que indicam como foi responsável pelo pessimismo da filha em relação ao amor; e o cliente interessado em um projeto de construção para seu hotel é simplesmente o sujeito rico e prepotente que destrata todos ao seu redor), além dos enquadramentos de Todd Strauss-Schulson serem compostos por uma câmera na mão de movimentos instáveis que não se justificam (mesmo em sequências de diálogo, a câmera não se estabiliza).     

Quando o filme se transporta para o universo das comédias românticas, há um ganho significativo de tom e de composição estética. O bom humor se estabelece através de piadas recorrentes a respeito da felicidade e da simpatia exageradas das pessoas, conhecidas ou não, que tratam Natalie de forma amorosa – algo nada compatível com as situações cotidianas vivenciadas, como encontros inesperados provocados por esbarrões na rua ou interações comuns no trabalho. A evolução visual também é percebida pela estabilização do eixo da câmera, pela composição de planos gerais ou sutis contra-plongées (evocativos de uma áurea mágica) e pelo design de produção e fotografia marcados por cores muito vivas e filtros de luz em referência aos raios solares (transmissores de uma sensação de conforto e otimismo).

O humor também é construído a partir da metalinguagem desenvolvida pelo roteiro e pelas escolhas visuais do diretor. Clichês facilmente reconhecíveis das comédias românticas são pontuados ironicamente por Natalie ou inseridos pela narrativa: a montagem em paralelo em que enumera para a colega de trabalho as convenções do gênero; o desagrado da jovem com a necessidade de ter um amigo gay como conselheiro e alívio cômico, uma narração em voz off para expressar os pensamentos, o excesso de slow motion, a trilha sonora pop com canções como “Pretty woman” e os números musicais surgidos inesperadamente. Além desses elementos já clássicos, o filme chama a atenção para recursos ou chavões nem sempre identificados, como as piadas feitas com a impossibilidade de falar palavrões (devido à classificação etária) e a sugestão moderada de sequências de sexo.  

Parodiar as fórmulas da comédia romântica, contudo, não impede o filme de se assumir como um representante do gênero. Em especial, o arco de descoberta do verdadeiro amor por Natalie segue as próprias batidas e construções ironizadas pelo roteiro – ainda assim, é feito de forma cativante para fazer com que o público se interesse pelos personagens e com um cuidado narrativo que torna seu desenvolvimento verossímil e bem organizado. Além disso, existe um frescor, não necessariamente original, de acrescentar à trama uma jornada de autoaceitação que torna mais complexo o significado de amor.

Em parte, o bom desenvolvimento de uma produção recheada, conscientemente, de clichês depende das atuações de maior destaque. Adam Devine interpreta Josh, o melhor amigo da protagonista, como um sujeito carismático e brincalhão, que discretamente exerce uma influência muito positiva na amiga. Já Rebel Wilson confere a Natalie um bom humor afiado para ridicularizar as convenções da comédia romântica, um timing cômico para atravessar situações engraçadas e ainda apresentar algumas pequenas camadas de desvalorização pessoal – a atriz é bem sucedida em demonstrar o arco dramático de sua personagem.

Tratar as fórmulas bastante conhecidas do gênero com bom humor, sem as dispensá-las como algo inferior, é o que torna “Megarromântico” uma experiência agradável e prazerosa. A comédia surge eficientemente em alguns bons momentos de metalinguagem, as trajetórias dos personagens são de fácil identificação e empatia, o ritmo se mantém coeso durante toda a projeção e a linguagem cinematográfica serve bem à sua proposta. Com simplicidade e boas intenções, o filme atinge ao propósito da diversão.