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“MENTES SOMBRIAS” – Isso sim é uma surpresa

Talvez seja exagerado afirmar que MENTES SOMBRIAS é um filme completamente ruim. Na verdade, a ideia que o longa tem é boa, apenas muitíssimo mal executada – algo semelhante (muito semelhante) ao que foi feito com a franquia “Divergente”. O longa tem um universo diegético próprio, que, contudo, não é tão original quanto finge ser: em razão de uma doença misteriosa, a maioria das crianças e dos adolescentes acaba morrendo, enquanto os sobreviventes desenvolvem perigosos poderes. Com isso, o governo o obriga a permanecer encarcerados em um campo, afastados da sociedade. Após alguns anos em um campo, a protagonista Ruby consegue fugir, sem saber que a liberdade seria plena. Então o filme é sobre liberdade? Não exatamente.

A interação social pode se dar de quatro formas: exclusão, segregação, integração e inclusão. Cabe explicar resumidamente esses conceitos. Na exclusão, a sociedade se une e marginaliza alguns setores, pulverizados externamente ao grupo dos excludentes, sem nenhuma forma de união entre os excluídos. Diversamente, na segregação existe união entre os segregados, que, contudo, não interagem com os segregadores, mas apenas entre si. É com a segregação que a distopia de “Mentes sombrias” começa: as crianças e adolescentes sobreviventes ficam no mesmo local, mas distantes do resto da sociedade. No momento seguinte, ocorre a integração: aparentemente, todos os indivíduos convivem no mesmo meio, porém a minoria integrada, na prática, interage apenas entre si, não tendo um contato real (apenas simbólico) com a maioria integradora. Na integração, há um teatro no qual a maioria finge que acolhe a minoria, quando, na verdade, a discriminação permanece, apenas dissimulada. Quando Ruby sai do campo, pensa que vai voltar a pertencer à sociedade – o que, contudo, não ocorre, de modo que ela precisa continuar próxima de seus semelhantes para não viver isolada. O estágio mais avançado de interação social, aquele no qual todas as pessoas marginalizadas sonham encontrar, é o da inclusão, pois nele não existem barreiras sociais, já que todos pertencem ao mesmo grupo. Na prática, talvez uma utopia. No filme, certamente um sonho das personagens principais.

É justamente nas personagens que os primeiros problemas da película começam, a despeito da premissa contemporânea. A mitologia própria, com “Liga das Crianças” e rastreadores, por exemplo, até tem sua coerência interna, porém é deveras maniqueísta e não consegue reproduzir de forma verossímil, com isso, o funcionamento da sociedade. A utilização dos jovens com rótulos poderia ser uma boa oportunidade para criticar a necessidade que alguns têm em rotular as pessoas, todavia o texto acaba por criar estereótipos que reproduzem o mesmo discurso pretensamente reprovado. É por isso que o inteligente usa óculos (e faz questão de mencionar que não usa “fundo de garrafa só de birra”) e o galã é um bravo herói. Certamente as atuações não ajudam, já que Skylan Brooks faz de Bolota uma repetição de papéis similares, enquanto Harris Dickinson – que não é mau ator, basta ver “Beach rats” (sem olvidar que a escola britânica de atuação é provavelmente a melhor do mundo) – dá a Liam uma atuação robótica (o que não é singular nos papéis de galã, a bem da verdade).

Nesse descalabro interpretativo, aparecem personagens sofríveis que provavelmente não permitem aos intérpretes algo mais profundo. Mandy Moore vive Cate, personagem que se revela apenas ao final, quando o espectador já está em um estágio de indiferença. Gwendoline Christie justifica a expressão “vergonha alheia”, de tão caricata que é sua vilã Lady Jane. Quanto a Patrick Gibson, apesar do esforço do ator, Clancy Gray é uma personagem extremamente óbvia. Amandla Stenberg não sai ilesa, com um desempenho como Ruby idêntico ao apresentado em “Tudo e todas as coisas” – ou seja, ela provavelmente interpreta a si mesma em todos os papéis.

Na direção do longa está Jennifer Yuh Nelson, que até então havia dirigido o segundo e o terceiro filme da franquia “Kung fu panda”. Acostumada com o público infanto-juvenil, usa as cores para dar didática à explicação da diegese (cada cor corresponde a um poder), insere violência explícita sem mostrar muito sangue e filma planos-detalhe para enfatizar algo que possa passar despercebido (como as luvas de Zu). Certamente o maior problema da produção, responsabilidade da cineasta, é que em momento algum a película consegue ser envolvente (salvo no romance, que tem potencial para comover a plateia young adult). Por exemplo, logo após Ruby se reunir com outros três jovens, ocorre uma perseguição, que acaba sendo inócua, já que as personagens ainda são pouco conhecidas. O ritmo não é ruim, pois Nelson tenta ser veloz, porém há cenas alongadas e sem grande utilidade (como ocorre na loja, inclusive porque não faz sentido que conseguissem permanecer tanto tempo sem serem atacados). Por sua vez, os efeitos visuais são medíocres.

Por outro lado, é o roteiro de Chad Hodge (baseado no livro homônimo de Alexandra Bracken) que não dá material ao resto da equipe. Tudo é inutilmente misterioso (por exemplo, a Liga é má, mas é melhor nem saber o motivo), já que, ou o mistério não é bem utilizado, ou é previsível. Como muleta, o texto tem uma narração voice over que em nada agrega. Além disso, a defesa de que “todos têm um lugar no mundo”, dentre outros motes, é de um didatismo risível. Como bônus, uma referência clara ao péssimo “X-Men origens: Wolverine”, que consegue ser menos ruim que “Mentes sombrias”. Isso sim é uma surpresa.