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“MEU QUERIDO FILHO” – Criamos nossos filhos para o mundo

A fronteira entre a Turquia e a Síria representa uma região de efervescência geopolítica com interesses variados. Em uma síntese bastante simplista, pode-se dizer que Bashar al-Assad tem como opositores a Turquia de Erdogan – situação que era inversa antes da guerra civil síria – e os jihadistas (inclusive componentes da al-Qaeda). Em seu favor está, por exemplo, o Hezbollah. Contrários tanto a Assad quanto aos militantes oposicionistas estão facções curdas, que participam de uma revolta armada na Síria, buscando garantir seu território (o Curdistão sírio), o que, por outro lado, entra em conflito também com os turcos, que classificam as milícias curdas como terroristas. Pode não parecer, mas é nesse contexto que MEU QUERIDO FILHO se insere.

Na trama, Riadh é um pai preocupado com o futuro de seu filho Sami, prestes a fazer o vestibular em meio a graves crises de enxaqueca. Quando o problema de saúde de Sami parece ter melhorado, o jovem sai de casa. Um plot essencialmente familiar e, de certa forma, singelo, tendo a geopolítica mencionada como pano de fundo. O diretor e roteirista Mohamed Ben Attia já tinha feito algo similar em “A amante” [clique aqui para ler a nossa crítica], isto é, falar de política através de uma história familiar. Dessa vez, a política abordada é um vespeiro, enquanto a história familiar é uma boa proposta de reflexão.

Cartaz de “Meu querido filho

No que se refere à trama familiar, duas interpretações são possíveis – ao menos as mais evidentes, sem excluir outras. Na primeira, Riadh é um pai amoroso e dedicado que sonha em um futuro feliz e confortável para Sami, que, contudo, se revela um filho ingrato, rebelde e, de certa forma, estúpido (já que toma um rumo absolutamente distinto que aquele que o pai planejava). Na segunda interpretação, Riadh é um pai com boas intenções que, porém, ignora que as decisões sobre a vida de Sami devem ser tomadas pelo próprio Sami – quando o genitor se dá conta disso, seu rebento já está longe. Parece que Attia prefere a segunda leitura.

É inquestionável que Riadh é muito dedicado como pai. Orgulhoso do filho, se alegra ao ler na internet que as pessoas que têm enxaquecas são inteligentes e criativas – a internet é seu instrumento de confiança, pois não há razão para se duvidar (na sua ótica, é claro) sequer de um macaco que cura enxaquecas. Ao mesmo tempo em que mima o filho com um presente, o repreende pelo desrespeito no parque, sem ter coragem, contudo, de deixá-lo sem locomoção para uma balada. Embora queira ajudar Sami com a enxaqueca, não consegue ao menos cogitar que pode ser a causa da enxaqueca: a pressão do vestibular existe por si só, conversar com Riadh sobre o futuro profissional é desagradável para o garoto (como se percebe na cena do parque). Riadh é tão ávido por dar a Sami um futuro que cogita vender o carro para que o filho estude no Canadá – hipótese que o garoto já tinha mostrado desinteresse. Além disso, a atuação de Mohamed Dhrif é ótima como Riadh, fazendo deste uma personagem bastante humana e em relação à qual é fácil sentir empatia.

Por sua vez, Sami (Zakaria Ben Ayyed, em atuação discreta, mas muito superior à de Mouna Majri, que interpreta de maneira frustrante a sua mãe) deseja algo muito simples: tomar as decisões sobre a própria vida. Riadh não o permite nem mesmo escolher o momento para estudar, como quando insiste em ir a um restaurante distante e quando sugere tomar remédio e dormir para acordar cedo. A primeira vez em que se dá conta disso se dá na cena em que é confrontado por um pai mais experiente: os pais querem a felicidade dos filhos ou a própria felicidade através dos filhos? No mínimo, a matéria incita a reflexão.

Na direção, Attia filma algumas cenas dentro do carro de Riadh, transmitindo uma sensação de clausura na qual Sami se encontra. Entretanto, o jovem usa roupas largas (o que é enfatizado textualmente) para esclarecer a necessidade de liberdade que sente. Embora o longa tenha um nível regular, sem grande destaque técnico, a montagem erra em um ponto nevrálgico da narrativa, tirando o impacto de uma cena emblemática. É verdade que remanesce uma dúvida se a cena é ruim em razão do roteiro ou da direção, todavia ela é tão desconexa do resto da película que a montagem é equivocada.

Quanto à mencionada questão geopolítica, o roteiro não a desenvolve, apenas lhe dá visibilidade, o que basta para a proposta. Considerando, enfim, que o filme tem êxito em estimular a reflexão, o resultado final é positivo.