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“MINHA LUA DE MEL POLONESA” – Pessoalidade em excesso

Alguma pessoalidade é sempre presente nas obras artísticas, mesmo que de forma inconsciente. Com a dinamicidade do cinema enquanto indústria, alguns cineastas são contratados para filmar longas que não convergem com seu perfil, hipótese em que a pessoalidade é menor, mas existente. MINHA LUA DE MEL POLONESA é o oposto, é exemplo de filme extremamente pessoal. E essa é a sua maior virtude e o seu maior defeito.

Na trama, o casal Anna e Adam deixam seu filho recém-nascido com os avós maternos para viajar sozinhos para a Polônia. Enquanto Anna se empolga com a ideia de reencontrar as origens polonesas e judaicas das famílias de ambos, Adam enxerga na viagem uma oportunidade para aproveitar um tempo a sós. Nada do que planejam, contudo, sai como o esperado.

Cartaz de “Minha lua de mel polonesa

O filme se propõe como uma comédia, mas não arranca muitas risadas. O humor está mais centrado em Anna, personagem principal cujo tom caricatural atribuído por Judith Chemla ao papel rende alguma diversão. Extremamente organizada e quase neurótica, ela se transforma em território polonês: se na França ela estabelece incontáveis regras para os pais cuidarem de seu bebê, na Polônia ela se liberta e se sente em casa.

A graça, inclusive, é justamente essa: Anna não sabe quase nada de seus antepassados, todavia se sente amissíssima de uma vendedora simpática, mesmo sem entender nada do que ela fala. Em nenhum momento ela se sente como turista, embora seja tratada dessa forma. Diversamente, o Adam de Arthur Igual é a parte racional dos dois, ou, melhor dizendo, é quem tem a tranquilidade de entender que a Polônia não é o seu lar e que eles não são judeus praticantes. Exagerada como é, Anna chega a chamá-lo de “judeu antissemita”, o que demonstra que o humor eventualmente questionável está mais presente no texto. Uma das piadas está em um dos motivos da viagem: comemorar um aniversário de extermínio de judeus. O assunto é delicado; o humor negro, perigoso.

Em determinado momento da trama, há uma migração de gênero. A comédia se torna diminuta, posto que presente, dando maior espaço a um viés sério na narrativa. Em uma cena, o casal encontra uma idosa francesa sobrevivente do Holocausto, falando de maneira bastante pedagógica e séria. Cada vez mais, o longa se transforma em uma jornada sobre as raízes ancestrais da protagonista, revelando a sua pessoalidade.

Em outras palavras, em um invólucro de comédia está uma obra sobre a identidade da sua realizadora, Elise Otzenberger. No roteiro, ela não se destaca, aproveitando mais a barreira do idioma do que humor inteligente. Anna e Adam não falam polonês e seu inglês é “afrancesado”, o que gera situações engraçadas, mas longe do hilário. Quando o texto assume sua introspectividade, tudo faz sentido: Otzenberger homenageia seus ancestrais e expõe como descobriu o que considera a própria identidade.

Embora “Lune de miel” (no original) pareça não ter nenhum valor que não aquele intrínseco à cineasta, na direção, existem alguns atributos que merecem menção. Mesmo sendo iniciante, Otzenberger usa bem o enquadramento das personagens de maneira simbólica: quando Anna e Adam brigam, são filmados separados; quando estão em paz, em two-shot. Ainda no começo da película, há um belo raccord imagético e sonoro para demonstrar que o casal está em viagem. Ou seja, na direção, há potencial.

Como síntese, “Minha lua de mel polonesa” é um filme fraco, visto que não há nada nele que consiga chamar a atenção, nenhum diferencial. O fato de Elise Otzenberger utilizar seu histórico familiar não é ruim em si mesmo – pelo contrário, é possível perceber o afeto pela história contada -, porém ela não demonstra preocupação alguma com a transcendência. É como se o filme fosse feito como uma homenagem aos próprios familiares, esquecendo que há um público à espera de uma mensagem que se lhe aplique. Se a produção se comunica com alguém, certamente não é com o público em geral.