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“MISSÃO: IMPOSSÍVEL” (1996) – Nasce uma cinessérie

Em 1966, estreava uma série de televisão que, trinta anos depois, seria a inspiração para um longa-metragem que, sem prever, daria início a uma cinessérie (ou franquia cinematográfica). MISSÃO: IMPOSSÍVEL, de 1996, pode não ser o melhor filme de espionagem de todos os tempos, mas trouxe grandes contribuições no gênero.

Protagonizado por Ethan Hunt, o plot começa em Praga, onde um grupo de agentes secretos, dos quais Ethan é integrante, cai em uma emboscada da qual apenas ele sai vivo. Diante desse resultado, a conclusão de seu chefe é que ele é o agente duplo que a IMF (Impossible Missions Force, uma agência análoga à CIA) procurava. A nova missão do protagonista, então, é provar que ele não é quem os superiores procuravam.

O papel de Ethan é interpretado por Tom Cruise, coprodutor do longa (juntamente com Paula Wagner). Na época, Cruise já era um ator bastante valorizado como uma grande estrela de Hollywood – por exemplo, “Top Gun – Ases indomáveis”, um dos maiores sucessos da sua carreira, foi lançado dez anos antes, havendo outros filmes bem-sucedidos nesse intervalo, como “Rain man”, “Nascido em 4 de julho”, “Questão de honra”, “Entrevista com o vampiro” e “Jerry Maguire – A grande virada”. O que lhe faltava, porém, era um papel para eternizá-lo, o que apenas veio com “Missão: impossível”. Com Ethan, Cruise conseguiu uma persona inconfundível e inesquecível, embora, por via reflexa, seja difícil esquecer a personagem quando o ator está em outras produções.

No primeiro longa, as características psicológicas de Ethan começam a aparecer (sendo mais exploradas nas continuações, é claro): insubordinado, não cumpre ordens com as quais não concorda (inclusive as de maior envergadura, como a de abortar a missão); teimoso, não desiste até chegar ao fim da linha; bravo, não encara missão alguma como impossível (e parece gostar dos enormes desafios que enfrenta). Cruise dá ao protagonista bastante personalidade, talvez até um pouco de si, havendo que se considerar, todavia, que o papel não é dramaticamente desafiador. Em compensação, o ator prefere filmar as perigosas cenas de ação, dispensando dublês, o que marca registrada de Cruise, mas também um diferencial nos seus filmes, principalmente por objetivar o máximo realismo possível. No caso da película de 1996, foram exigidos dele equilíbrio, coordenação e timing – como na cena da explosão do tanque, que causaria grande desperdício em caso de erro.

A única personagem repetida da série original é Jim Phelps, líder da IMF vivido por Peter Graves. No longa, contudo, Phelps é apenas o líder de algumas missões, tendo também um vínculo pessoal com Ethan. Jon Voight foi o escolhido para a nova versão, com um perfil enigmático e muito importante na trama. De maneira periférica, também têm relevância o Krieger de Jean Reno e o Luther de Ving Rhames. O primeiro parece ser apenas um encrenqueiro que não se importa em matar qualquer pessoa que complique a missão, algo que Ethan rejeita. Contudo, Krieger tem motivações desconhecidas do protagonista. Totalmente diferente é Luther, motivado pelo desafio proposto e que consegue um plus pessoal no desfecho.

A direção do longa é de Brian De Palma, um cineasta familiar com o suspense e que imprimiu a sua assinatura na película. O resultado é de mais tensão e menos ação (como no prólogo), sem perder em nada na qualidade, como no uso constante de closes, câmera subjetiva para colocar o espectador na ação e um discreto plano holandês quando Ethan está com sono. Com enorme talento, o diretor cria ao menos quatro sequências épicas. A primeira ocorre em Praga, à noite, com um visual que emula o gênero noir através de uma estética de poucas cores (figurino escuro e fotografia pouco iluminada) e uso de neblina. Outra sequência marcante, provavelmente a mais famosa do filme, é a que ocorre na sala branca. Sem usar recursos acusmáticos, notadamente a trilha musical, trata-se de um momento com enquadramentos bem escolhidos (lateral e por cima) e de máxima tensão e expectativa,  resumindo bastante toda a obra.

Em termos de som, o trabalho de Danny Elfman é muito bom com músicas instrumentais de tensão com constantes referências ao “Mission: impossible theme”, composto por Lalo Schifrin (que já era da série original). Também nos efeitos visuais o longa é destaque positivo (afinal, o ano era 1996), com um CGI incrível para a época graças à ILM (Industrial Light & Magic, empresa especializada em efeitos visuais para filmes fundada por George Lucas que tem no currículo produções como “Star Wars”, “Jurassic Park” e “Harry Potter”. A sequência no trem, nesse sentido, é de um chroma key vanguardista para a época.

Os pilares de “Missão: impossível” enquanto franquia nasceram no longa de 1996, podendo-se citar: multilocalidade (Kiev, Praga e Londres), com De Palma exibindo bastante os cenários; o trabalho em equipe ancorado por um agente responsável pela tecnologia e outro pelos momentos perigosos (Ethan), uma tecnologia avançada para a sua época, o que inclui os equipamentos para as missões (das surpreendentes máscaras de silicone à goma de mascar explosiva como arma de Chekhov); e ciladas e traições permeando a trama. Esses são elementos reiterados na franquia e que dão a ela a sua personalidade – sempre com alguma dose de suspensão da descrença, para permitir a ação acontecer.

Do ponto de vista temático, a espionagem fez sucesso a partir da década de 1960, com a série, pois a época era de Guerra Fria. No filme, porém, a polarização é menor, dando espaço para a clandestinidade dos atos de Ethan e ensejando uma interessante reflexão: mesmo trabalhando em equipe, Ethan reiteradamente se descobre sozinho, o que diz muito sobre a natureza humana. Não por outra razão, mesmo quando seus familiares são envolvidos, isso ocorre à distância, evitando a pessoalidade. Nem todos os filmes da cinessérie seguem essa lógica – e, sem a inovação de um filme para outro, não haveria sequências. Para uma franquia não muito ambiciosa e que constantemente inova, é bom que existam continuações – tão bom quanto revisitar o primeiro.