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“MISSÃO: IMPOSSÍVEL – EFEITO FALLOUT” – Não é apenas mais um filme de ação

Quando recebe um exemplar de “A odisseia”, de Homero, Ethan Hunt não sabia que estava prestes a passar por uma nova odisseia dentro de sua épica carreira enquanto espião da IMF. MISSÃO: IMPOSSÍVEL – EFEITO FALLOUT é continuação direta de seu predecessor “Nação secreta” (a “Ilíada” da franquia), ampliando os já largos horizontes traçados por este.

O que aconteceria se Ethan não tivesse sucesso em uma de suas missões? Ele poderia agir com boas intenções, mas os resultados seriam inevitáveis (é o “efeito fallout”). É com base nessa premissa que é construído o plot do sexto filme da cinessérie, aproveitando personagens antigas e inserindo novas para que o protagonista consiga corrigir um erro de seu recente pretérito.

Fica bastante claro que, no intervalo diegético de dois anos, “Efeito fallout” é continuação direta de “Nação secreta”. Ethan volta a enfrentar o Sindicato (agora estranhamente com o nome de Apóstolos), Solomon Lane e outros anarquistas responsáveis por sabotagem e assassinato em massa, além do (novo) misterioso vilão, John Lark. Os amigos de Ethan retornam: Luther (Ving Rhames) como o espectro emocional do protagonista, e Benji (Simon Pegg) como o sempre eficaz alívio cômico (seu pavor nas cenas arriscadas é palpável). Também Ilsa Faust (Rebecca Ferguson) reaparece, mais uma vez enigmática e sugerindo um confronto com o herói, porém sua participação não é tão central na trama. Julia (Michelle Monaghan), a esposa de Ethan (cuja função é apenas envolvê-lo emocionalmente), Lane (Sean Harris) e Hunley (Alec Baldwin) retornam sem destaque.

A grande novidade do elenco é Henry Cavill, que tem em August Walker o papel mais complexo da sua carreira. Walker e Ethan são visivelmente antagônicos: enquanto este não consegue escolher entre salvar uma vida e proteger a de milhões, tentando atingir sempre o final feliz – a reflexão proposta, por sinal, é muito boa -, aquele entende que métodos brutais não devem ser refutados, desde que atinjam o objetivo almejado. Para Walker, não há limites; Ethan, diversamente, tem expostas suas fraquezas e sua praticamente inédita falibilidade (ele chega a mancar!). Cavill vai muito bem no papel que interpreta, enquanto Tom Cruise tornou o agente Hunt persona indissociável de si mesmo.

Se “Nação secreta” investiu mais na espionagem, “Efeito fallout” é adrenalina pura. As perseguições são grandiosas, usando diversos veículos de transporte (da corrida a pé ao helicóptero), sempre intensificando a trilha sonora, as coreografias de luta são bem executadas e algumas cenas são inesquecivelmente fantásticas – com destaque ao salto de paraquedas em plano-sequência (aliando bons efeitos visuais a uma precisa mixagem de som, acertando também ao manter a câmera próxima do protagonista) e à longuíssima sequência dos helicópteros (que representa o ápice da tensão quando chega ao penhasco, sendo muito eficiente na imersão do espectador ao colocar a câmera dentro do helicóptero). É verdade que a película é bastante longa, em especial pela construção em quatro atos, com um enorme ponto de virada que constitui apenas a nova direção que a trama toma, ainda com muito a se desenvolver. Assim, existem dois clímaces: o primeiro é um plot twist que não gera tanta surpresa; o segundo é exemplo de bom uso de montagem paralela. Mesmo reconhecendo que o filme é longo, ele não é cansativo, pois envolve com facilidade o público em sua ação incessante.

Manter Christopher McQuarrie nas mesmas funções do quinto filme – diretor e roteirista – se revela um acerto da produção, vez que são mantidos dois aspectos fundamentais: a execução impecável e a coerência textual. Nesse sentido, o design de produção é deslumbrante, como no belíssimo banheiro branco e o visual espelhado e luxuoso na balada. O figurino torna Ilsa mais discreta em relação ao longa anterior, inflando Walker de vestimentas para sugerir que ele tem muito a esconder. Como sempre ocorreu na franquia, os estonteantes cenários são muito variados, possibilitando a maravilhosa fotografia na Caxemira. Embora tenha sido usada a tecnologia 3D, ela funciona apenas na cena do helicóptero – no mais, não tem utilidade alguma. Como roteirista, McQuarrie erra apenas em um diálogo, no qual, ao invés de mostrar, preferiu didaticamente relatar e explicar um elemento da história.

No texto, a inserção de vários opositores permite que o roteiro fique inflado de reviravoltas e armadilhas, todavia sem perder a verossimilhança em relação à diegese estabelecida e sem permitir o cansaço. O roteiro pode parecer pretexto para a ação desenfreada, porém essa conclusão é precipitada. É verdade que há (muito) mais ação e menos espionagem em “Efeito fallout”, o que, em geral, induz ao vazio de substância. Entretanto, tendo como fio condutor temático o conflito, o longa tem mais conteúdo do que pode parecer. Questiona-se: o impasse entre a proteção de um e de todos é uma fraqueza ou uma virtude? Além disso, é possível evitar o movimento social pendular entre paz e sofrimento? “MI6” não é apenas mais um filme de ação, ainda que nada impeça que seja interpretado assim. Seria apenas um desperdício.