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“NÃO SE ACEITAM DEVOLUÇÕES” – Não devolvem nem o tempo?

3 de julho de 2014: estreia nacional de “Não aceitamos devoluções”, filme mexicano dirigido e protagonizado por Eugenio Derbez. 29 de junho de 2017: estreia nacional de “Uma família de dois”, filme francês dirigido por Hugo Gélin e protagonizado por Omar Sy. 31 de maio de 2018: estreia nacional de NÃO SE ACEITAM DEVOLUÇÕES, versão brasileira dos anteriores. Todos ruins, sendo difícil escolher o pior.

No remake brasileiro, Leandro Hassum interpreta Juca Valente, um homem que só quer sexo com as mais belas mulheres, afastando veementemente qualquer hipótese de um relacionamento estável ou filhos. Sua vida dá um giro de cento e oitenta graus quando uma das moças com quem se relacionou deixa com ele um bebê, a filha dos dois, desaparecendo logo após. O equívoco começa na escalação de Hassum: na comédia ele se sente confortável, é verdade (não é culpa do ator que o roteiro é ruim no humor), porém no drama ele não convence. E o problema da sua presença não é propriamente artístico: sendo ele – agora galã – um dos expoentes da comédia brasileira (por mais lamentável que isso seja), não há espaço para coadjuvantes. Os poucos que existem, como o Luizinho de Zéu Britto, são vergonhosamente irrelevantes e sem graça.

Sem dúvida, o roteiro colabora para o humor nulo. Estão lá piadas do nível “quando estreou ‘Crepúsculo’ lá (nos EUA), aqui já tava amanhecendo” (sic). O sobrenome do protagonista, por mais infantil que pareça, também é uma piada – ou, mais precisamente, um trocadilho com o trabalho que exerce na nova vida. A pequena Manuela Kfouri é espontânea, pode ter potencial (se fizer bons filmes, é claro). O script presume um espectador limitado e que precisa de narração voice over no final para que a mensagem seja mastigada (praticamente deglutida e digerida para poupar o público do trabalho). Narrativamente deplorável, o longa encontra falsas e estúpidas explicações para deus ex machina (como Brenda encontra os dois!?), sendo ainda recheado de eventos improváveis – salvo se Juca for um ímã para brasileiros e mexicanos nos EUA (apenas um figurante não fala português no filme todo!) – e coincidências convenientes (o dublê tão procurado aparece no lugar certo e na hora certa, com um chefe que, claro, fala “portunhol”).

Na direção, André Moraes também presume a falta de inteligência do espectador, então cria um prólogo repetitivo, para ter certeza que o público compreende que Juca é mulherengo. A música inserida nas cenas tenta ser manipulativa, todavia acaba sendo agressiva, já que nunca é sutil. A mise en scène é pavorosa, ficando falsas as cenas que simulam filmagens. A montagem tem um ritmo ruim ao criar elipses do afeto criado entre Juca e Emma (a sequência tem função narratológica, mas é mal cumprida), servindo mesmo para usar as imagens no desfecho. Não obstante, Moraes é inventivo ao filmar Juca e Brenda por spinning shot, transmitindo uma ideia de ciclo, evitando o plano-contraplano. Na segunda aparição de Brenda, o visual é bem diferente do anterior: abandonando o estilo “riponga” (rótulo dado por Juca), ela retorna mais maquiada, de cabelo preso e roupas elegantes. Ainda, a cenografia da segunda casa do protagonista é muito bem feita, explorando várias cores e inflando o local de brinquedos. Seria ainda melhor se a ideia fosse original (o que não é o caso sequer das portas de diferentes tamanhos).

Existem alguns poucos atributos positivos na obra. A maior delas, contudo, reside em uma correção ideológica presente na versão francesa, que tenta ser progressista com uma das personagens, falhando miseravelmente. Aqui, ocorre uma enorme surpresa com alguma utilidade narrativa. Essa cena é um twist genial, progressista e até mesmo ousado, com uma elogiável abordagem naturalista. Para compensar, a película conta com várias passagens do nível de “comédia pastelão”, como na cena em que Juca conecta cabos e nos momentos em que aparece um cover ridículo de um cantor famoso. Nessas cenas, que existem apenas para ampliar a margem humorística de Hassum, dando-lhe maior liberdade artística, “Não se aceitam devoluções” lembra o quão ruim consegue ser. A única devolução desejável é a do tempo perdido.