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“O CANDIDATO HONESTO 2” – Atira em todos

A política brasileira dos últimos anos fornece muito material para obras audiovisuais. Percebendo isso, surgiram, por exemplo, “O processo” e “Polícia Federal: a lei é para todos”. O primeiro consiste em um documentário; o segundo, um drama. Em comum, extraem os fatos e os relatam a partir de um ponto de vista específico. O CANDIDATO HONESTO 2 também tem sua matéria-prima na política brasileira, distinguindo-se dos anteriores por ser uma comédia e por fugir de um ponto de vista.

Continuação do longa de 2014, João Ernesto Ribamar sai da prisão e aceita se candidatar à Presidência novamente. Sua honestidade, porém, não é compatível com o sombrio vice Ivan Pires, que domina Brasília melhor que ninguém. Considerando o lapso temporal entre o primeiro e este filme, é com sagacidade que o roteiro de Paulo Cursino justifica, na diegese, o emagrecimento real do intérprete de João, Leandro Hassum. Por outro lado, isso dificulta os flashbacks, pois o rosto hoje magro do ator não combina com as roupas repletas de enchimento. Além disso, o roteiro é ruim no exagero didático do prólogo, com uma explicação morosa e inorgânica.

A narrativa é construída a partir de eventos reais, ainda que os reoriente cronologicamente. São vários os elementos que saíram da história para entrar na estória: o grito “João, ladrão, roubou meu coração!”; um sítio em Petrópolis que gera uma ação criminal; piadas sobre mandiocas e sobre a relação entre crianças e cachorros; uma escuta que revela a emblemática frase “tem que manter isso aí”; uma circense (com direito a palhaço) sessão de impeachment e assim por diante. Tudo que esteve na mídia brasileira em algum momento foi reaproveitado para servir de piada.

Existem virtudes no longa, inclusive no que se refere às paródias – até mesmo Donald Trump é referência. Cassio Pandolfh está excelente como Ivan Pires, um vice vampiresco (literalmente) e manipulador que se assemelha demais ao parodiado – do cabelo ao jeito de falar, das expressões faciais à linguagem corporal com as mãos -, todavia exposto de uma maneira escrachada (como a movimentação sem dar passos) com um fundo de verdade (como sua filha, ou melhor, esposa). Outra figura famosa é o Pedro Rebento de Anderson Muller, o autoproclamado único político honesto, defensor da própria família, contrário às minorias e ativista da liberação do porte de arma. Rotulado como o “candidato do ódio, do revanchismo e da truculência”, não é tão engraçado quanto o anterior porque o desempenho de Muller é artificial. Sua propaganda evocando o nazismo e a ditadura servem muito mais como uma crítica pertinente (e que poderia ter sido melhor trabalhada) do que o humor despretensioso feito com Ivan.

Leandro Hassum é um humorista já conhecido e não muda muito, sobretudo no overacting imutável e nas dispensáveis (quando não entediantes) piadas corporais (desta vez, ele fez Tchaikovsky se revirar no túmulo). O melhor momento é aquele em que João Ernesto critica o humorista Hassum, deixando claro, ao menos, que ele conhece as críticas que recebe (ainda que não faça diferença). São várias, inclusive, as alusões ao que já está no senso comum do brasileiro: uma condenação de quatrocentos anos cumprida em quatro; o medo de perder o voto dos evangélicos; os estereótipos do cinema nacional (pena que a crítica é vazia); a expressão “a culpa é da Globo”; e a conclusão de que “o Brasil está acabando”.

A direção de Roberto Santucci é, no mínimo, artificial. Por exemplo, quando o protagonista joga dinheiro em uma churrasqueira e a acende, o fogo é feito digitalmente. Outro exemplo é a caracterização pavorosa de Flávia Garrafa como Isabel, que não é nem um pouco engraçada, mas muito desagradável. Como no primeiro, existem piadas escatológicas (algumas até repetitivas), homofóbicas, machistas e uma de péssimo gosto com uma anã. Sequer a crítica à polarização é bem trabalhada.

O candidato honesto 2” consegue ser engraçado episodicamente (mais que o primeiro), mas padece de um problema inconciliável com a proposta. Certamente causará a repulsa do público defensor dos políticos retratados (tipos como Ivan Pires, Presidenta, Pedro Rebento e o próprio Ribamar), já que todos são criticados (se é que é possível considerar crítica o que é feito) através das piadas. Assim, o longa se torna um franco-atirador: atira em todos, não se importando com o resultado. Porém, esquece que atirar em todos é atirar em ninguém.