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“O PODER DE DIANE” [FVCF/2018] – Não diz nada

Parece que O PODER DE DIANE não tem muito a dizer. Em tese, as personagens começam em uma condição e terminam em outra, progredindo ou regredindo. Não que não exista mudança alguma, mas o longa é tão lacônico nesse quesito que se apequena com seu próprio desenvolvimento.

A protagonista é uma mulher jovem sem um norte na vida, que admite que não faz nada preciso (no sentido de precisão). Baladeira, ela aceitou gestar um bebê para o casal de amigos Thomas e Jacques. Durante a gestação, Diane se muda para a casa dos avós e acaba conhecendo Fabrizio, um eletricista. Rapidamente, os dois se apaixonam, gerando farpas entre os quatro.

Clotilde Hesme encarna Diane com muito afinco: depois de papéis menores em “Chocolate” e “A vida de uma mulher”, ela faz o que pode ao assumir o protagonismo de um longa – e a culpa certamente não é dela da má-qualidade da película. Diane tem um jeito cômico por natureza (Hesme transmite a naturalidade necessária), que combina com sua personalidade independente (dispensa que Fabrizio conserte uma parede, usando uma marreta para quebrá-la mesmo com a gravidez) e ativa (a barriga não a impede de pintar as unhas). Enérgica, ela não se furta de discussões, é baladeira convicta e prefere o rock de Fabrizio à erudição de Jacques.

Assim, faz sentido a facilidade no romance com Fabrizio: o flerte dela não é enrolado. Fabrizio Rongione não vai mal com seu homônimo, mas também não se destaca. É ele o responsável, contudo, por uma piada extremamente infeliz, para não dizer repugnante (a dos pandas), piada que sequer recebe uma retratação no roteiro – trata-se de um momento que estragou o que já não era bom. Thomas Suire vive Thomas, enquanto Grégory Montel interpreta Jacques, homossexuais estereotipados e colocados em segundo plano para que Diane brilhe. A personalidade dela é interessante, mas suas atitudes questionam a autenticidade dos seus pensamentos: como ela aceitou gestar o bebê de Jacques e Thomas e como são amigos, naturalmente se dariam bem, porém fica muito claro que Fabrizio é a causa dos atritos, muitas vezes tentando colocá-la contra o casal. De certo ângulo, é ele o vilão da trama: antes dele, o trio não discutia além do normal e ela aceitava as orientações dos amigos quanto à gravidez; com ele, Diane se torna mais irritadiça e não aceita a intromissão de Jacques e Thomas. Nesse caso, talvez fosse melhor não aceitar engravidar por eles – ou não aceitar a intromissão de Fabrizio.

Seguindo essa linha de raciocínio, a mensagem que o filme passa, talvez de maneira não intencional, é a de que amigos de longa data podem ser preteridos caso surja uma relação afetiva. O estranhamento de Thomas e Jacques faz sentido, já que os relacionamentos de Diane não duram mais que quinze dias (o que ela não nega). Causa estranheza também o suspense que ela faz para Fabrizio sobre a gravidez: por que ela não revela que se trata de gestação por outrem ao invés de fazer segredo e deixá-lo elaborando teorias a seu respeito? É evidente que ela não lhe devia esse tipo de satisfação (embora tenha dado, com atraso), todavia é incoerente guardar a informação em relação a um homem de quem está gostando. Os três homens que cercam a protagonista são muito mais briguentos e brabos que ela, contudo ela tem sua parcela de responsabilidade, já que nunca facilita o relacionamento.

A direção de Fabien Gorgeart não é ruim, embora o melhor momento seja singelo: uma rima audiovisual, entre um clássico francês (“La yidishe mama”) – som – e um movimento corporal involuntário de Diane (sem dúvida, uma cena engraçada) – visual. Quando o filme mostra os meses da gravidez, tudo parece se encaminhar para a previsibilidade. Entretanto, considerando como é a protagonista, a previsibilidade passa longe – a cena do parto é paradoxalmente tragicômica, pois, enquanto Fabrizio irrita, Diane é engraçada (do ponto de vista do espectador).

Em tese, o uso de cores da película é bem pensado: quando Diane e Fabrizio estão juntos, prepondera o azul (vestuário de ambos, carro, tipoia etc.), porém tons rubros passam a aparecer para representar Thomas e Jacques e a discórdia que o seu retorno de viagem acarreta (mais uma vez, vestuário, carro, tapete e até o esmalte que a protagonista usa é vermelho). A direção de arte adota esse critério durante a maior parte das cenas (a residência do casal gay tem uma porta vermelha, o biquíni que Diane coloca na piscina feita por Fabrizio é azul), entretanto ele não é seguido à risca e se torna um tanto exagerado (em certo momento, parece que ela tem exclusivamente roupas azuis).

Parece que Gorgeart (também roteirista) focou em demasia na construção da personalidade da protagonista de “O poder de Diane”, esquecendo que tinha um roteiro a desenvolver. Por exemplo, o que justifica a cena em que a protagonista fuma na maternidade? Os coadjuvantes, inclusive, não poderiam ser mais unidimensionais e tediosos. A conclusão é óbvia: não havia nada para ser dito. O filme não consegue alcançar sequer os noventa minutos – mas talvez tenha sido melhor assim.

Filme assistido no Festival Varilux de Cinema Francês 2018.