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“O PREDADOR” – Um toque de nostalgia

Parte do cinema dos anos 1980 foi composta pelos filmes “brucutu” com as presenças de nomes como Arnold Schwarzeneger e Sylvester Stallone. Além do foco voltado para uma ação descompromissada e escapista, havia também um senso de diversão todo próprio (tendo uma violência estilizada que não chocava) que marcou o período. “O predador” original, dirigido por John McTierman, foi um exemplo desse estilo em 1987. Nutrindo um saudosismo e conversando com a década de 1980, chega aos cinemas uma nova versão para a franquia, o trabalho de Shane Black em O PREDADOR.

Na trama, a raça alienígena dos Predadores está de volta à Terra, mais forte e inteligente do que nunca.  Enquanto um menino, acidentalmente, os atrai para a cidade, um grupo de ex-soldados e uma bióloga se juntam para lutar contra a ameaça e proteger o futuro da raça humana.

Um dos seus primeiros acertos é não tentar ser um remake do original, mas sim uma nova história dentro daquele universo e considerando eventos anteriores da franquia – inclusive, reaparecem elementos clássicos, como o visual da criatura, seu sangue esverdeado, a capacidade de camuflagem e as sequências transcorridas numa floresta. Em paralelo aos aspectos já tradicionais, há tentativas de inserção de novos plots à premissa básica, que ampliassem a ameaça do vilão e oferecessem outra possibilidade de interação com os terráqueos. Teoricamente, seria algo elogiável por tentar fugir de comodismos, porém a execução deixa a desejar e cria furos e inconsistências (ainda que enredos típicos dos anos 1980 não primassem pela solidez dramática, existia um limite para a inverossimilhança).

Densidade de personagens também não era uma especialidade daquela década. Por não demandar tantas complexidades nem arcos dramáticos bem estruturados, a narrativa se sustenta com seus personagens carismáticos e funcionais dentro da proposta. Os destaques ficam para Jacob Tremblay, interpretando Rory, que comprova novamente seu talento, agora como um menino ligeiramente autista que oculta, em sua timidez, uma inteligência ímpar; e Boyd Holbrook, vivendo Quinn, o pai de Rory, que compõe com eficiência o soldado rebelde e ainda cumpre bem o papel de protagonista carismático pelo qual se deve torcer e exigido em sequências de ação. O restante do elenco não fica muito atrás: Sterling K. Brown, vivendo um agente governamental, tem a dose certa de ironia e ambição; Olivia Munn, interpretando Casey, surpreende por ser, além de bióloga, uma badass capacitada para lutas corpo a corpo e tiroteios; e todo o grupo de soldados veteranos afetados psicologicamente pelo serviço militar tem um entrosamento afiado e ótimo timing cômico (especialmente Thomas Jane e Keegan- Michael Key).

Contudo, a alma do filme está nas mãos do diretor Shane Black. O cineasta tem domínio sobre a narrativa e conhecimento da franquia como um todo (afinal, atuou no filme original) e confere um humor escrachado que funciona em sua quase totalidade. Ele é extremamente competente na direção de atores e na interação entre personagens parceiros, com uma dose de humor (seus roteiros de “Máquina mortífera” e de “Dois caras legais”, este em que também dirige, comprovam sua habilidade). A opção pela comédia em muitos momentos diverte o espectador, embora o tom geral da produção pareça estranho ao final – seu estilo debochado esvazia, por vezes, o horror do Predador.

Se em alguns instantes há a sensação de dois filmes em um só pela alternância desequilibrada entre humor e terror, nada disso prejudica a criatura alienígena. Shane Black mostra, a todo instante que pode, o Predador, diferentemente do recurso da sugestão da presença ameaçadora realizada por John McTierman em 1987. A mudança na forma de filmagem rende outras potencialidades: a apresentação dos efeitos práticos que tornam a ameaça do vilão palpável e o grafismo na violência dos ataques do ser. Unir os dois fatores anteriores constrói um estilo gore (imagens de sangue, vísceras e órgãos expostos) capaz de transmitir, sem ressalvas, a brutalidade de um antagonista decidido a estraçalhar o que estiver em sua frente. Não se trata apenas do choque pelo choque sem qualquer função dramática, trata-se da evidenciação da metáfora basilar da franquia: como a guerra é um palco de uma violência desmedida e da ebulição de instintos animalescos de brutalidade.

O entretenimento criado pelo diretor aparece mais evidente nos dois primeiros atos, quando o ritmo é ágil e os acontecimentos se desenrolam quase ininterruptamente (outra diferença em relação ao original, marcado por um ritmo moderado e sem um encadeamento contínuo das sequências de ação). A qualidade rítmica também é possível pelo trabalho do montador Harry B. Miller, responsável por ditar a velocidade dos planos e sua sucessão. O ritmo e a organização narrativa somente são desestabilizados no terceiro ato, momento em que a mise en scène é confusa e as várias resoluções no confronto final contra o Predador não exploram todo seu potencial dramático.

Mais de trinta anos depois de debutar no cinema, o Predador regressa aos cinemas de modo satisfatório. Existem problemas na trama? Existem instantes em que o horror deveria falar mais alto que a comédia? Existem prejuízos na estética com a conversão para o 3D? As respostas positivas a todas essas perguntas não invalidam a diversão alcançada nem a homenagem prestada por Shane Black ao filme original e ao cinema da década de 1980.