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“O PROCESSO” – É bom ou ruim

É muito difícil tratar da política brasileira contemporânea. Ainda mais difícil é analisar um filme que tem essa matéria por objeto. O PROCESSO não teve medo de encarar o espinhoso processo de impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff de forma documental. O que significaria essa frieza de abordagem?

O documentário se inicia com um relato de outubro de 2014, quando Dilma foi reeleita, “possivelmente alongando para dezesseis anos o governo PT”. Procurando se manter fiel a uma linearidade, as datas importantes são sempre mencionadas, como 12 de maio de 2016, quando a Comissão do Impeachment aceita as acusações oferecidas em face da então Presidente, que, em razão disso, ficou afastada por cento e oitenta dias, assumindo o seu Vice, Michel Temer. Essa linearidade torna a obra mais didática, todavia não a isenta de alguns furos, por exemplo, ao não apontar como foi formada a Comissão e quais seus integrantes.

A rigor, o longa é facilmente compreensível pelos brasileiros que acompanharam ao menos um pouco o ocorrido, não se preocupando tanto com os alheios, tampouco com os estrangeiros, que passam a ter apenas uma noção de tudo a partir da película. Evidentemente, um fato tão grande encontraria dificuldade natural em ser resumido em formato de longa-metragem, contudo poderiam ter sido utilizados recursos criativos para acelerar a narrativa (afinal, mesmo se tratando de um documentário, existe uma narrativa), tais como efeitos digitais apresentando um fluxograma do processo em si. Isto é, estranhamente, um filme que pretende explicar o recente impeachment brasileiro não faz o básico, que é explicar todas as suas fases procedimentais. Para um espectador desavisado, soa inexplicável uma sessão no Senado Federal presidida pelo Ministro Ricardo Lewandowski. Trata-se de uma falha estrutural que se coaduna com a metodologia adotada, já que não existem entrevistas, comentários opinativos, trilha sonora, efeitos digitais ou sonoros quaisquer etc.. Mas não deixa de ser uma falha.

A película tenta ser crua e fria, explodindo em dados e fatos. Ao invés de, passionalmente, fincar-se em um dos lados, há um claro esforço de mostrar ambos. Nesse sentido, a diretora Maria Augusta Ramos, ao mesmo tempo em que coloca cenas intimistas de representantes contrários ao impeachment, mostra um representante pró-impeachment explicando as acusações (os decretos sem a aprovação do Congresso e as “pedaladas fiscais”). Ou seja, aparecem imagens reais do que aconteceu, desde o que foi público (passando na TV Senado, por exemplo) até o que era mais privado (como conversas ao celular). Aparece tanto a Senadora Gleisi Hoffmann, executando algumas tarefas em seu gabinete, quanto a advogada Janaína Paschoal sendo abordada por um fã. Através da montagem paralela, ficam contrapostos dois grupos antagônicos: o do “não vai ter golpe” e o do “fora Dilma”. Os fatos foram documentados: manifestantes dos dois lados, vibração e torcida como se fosse uma partida de futebol – alegre para alguns, trágica para outros. Uma polarização é constatada e por vezes abraçada.

A fonte usada nos textos (inclusive o do título) corrobora a factualidade do documentário. Isso não significa, porém, que não exista um viés ideológico na película – ou, de maneira mais precisa, que ela seja imparcial em relação aos fatos. Em outras palavras, a diretora sabe que a apresentação dos fatos não implica (e nem deve) neutralidade absoluta. Há uma linha tênue entre posicionar-se e manipular o espectador, de modo que a sutileza encontrada por Ramos é louvável. É plenamente possível discordar da mensagem do filme, que é, em especial, o que evidencia seu posicionamento, mas não é possível afirmar que os dados foram adulterados. É a relação de causalidade entre os eventos – em especial no desfecho, que é bem eloquente – que permite extrair o subtexto do ponto de vista adotado, não o conteúdo dos eventos em si. Assim, o ex-Deputado Federal Eduardo Cunha é inegavelmente o vilão da narrativa, o (à época) Vice-Presidente Michel Temer é um antagonista distante e o advogado José Eduardo Cardozo é um dos principais coadjuvantes. Ao contrário do que se pode pensar, a (agora) ex-Presidente Dilma Rousseff não é a protagonista.

O protagonista de “O processo” é o próprio processo de impeachment. Ao apresentar vários planos gerais contemplativos – com os pomposos edifícios de Brasília exibindo todo o seu esplendor – cotejando o silêncio das estruturas físicas às badernas institucionais (em especial na primeira parte), o filme mostra o cotidiano do procedimento para além da turbulência. Isso afeta um pouco a duração da película, que é exagerada (mesmo considerando o tema), mas mostra também que, independentemente do que ocorreu, Brasília não parou durante o impedimento da Presidente. Cabe ao público avaliar se isso é bom ou ruim.