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“O RETORNO DE BEN” – Humanidade tocante

“Isso é humilhante” – diz Ben. “Quieto. Não, isso é amor” – responde Holly. Esse diálogo é a síntese perfeito do relacionamento entre mãe e filho em O RETORNO DE BEN, filme que trata do vício em drogas e suas consequências nefastas, em especial no âmbito familiar, a partir de um narcodependente em processo de recuperação.

O dependente é Ben, um jovem que já sofreu muito e fez sua família sofrer ainda mais nos períodos mais críticos do seu vício. No Natal, ele surpreende a família e aparece em casa em razão do bom comportamento na clínica onde está internado. Sua mãe, Holly, impõe uma condição para a sua presença: que fique durante o dia inteiro livre do uso de entorpecentes, sob constante vigilância dela. Para a mãe, o padrasto e os irmãos, Ben é uma bomba-relógio.

Cartaz de “O retorno de Ben

O roteiro de Peter Hedges é exemplar raro de um texto muitíssimo bem escrito. Não há nada fora de lugar na película, tudo acaba tendo um propósito, das personagens aos atos destas (por exemplo, a droga que Holly esconde no sutiã). A trama conta com momentos de susto (como quando Ben está caído no chão, ainda no começo) e surpresa (como quando Ben conversa com a menina do grupo), mas transborda enquanto exemplo do infinito amor materno. O plot sugere a recaída como uma mera questão de tempo, como se o garoto estivesse sempre na iminência de retornar ao vício – desse ponto de vista, o nome do longa adquire um duplo sentido inteligente, referindo-se à presença atual do jovem em casa, mas também ao futuro aparentemente inevitável de consumo de entorpecentes.

Essa talvez seja uma das maiores qualidades da película, cujo trato do pretérito diegético é sublime. Os eventos do passado não fazem parte meramente do backstory de Ben e de sua família, mas justificam acontecimentos do presente à medida que são revelados ao público (e, por vezes, até mesmo para Holly). Apenas ele sabe onde usou drogas e onde roubou alguém para adquirir drogas (o que ele mesmo reconhece), eventualmente fornecendo ressignificação às pessoas (como Spencer e o professor de história) ou então justificando o desenrolar dos fatos. Sem didatismo exacerbado, a conexão entre presente e passado é elaborada de maneira consistente e límpida, permitindo que o espectador compreenda substancialmente o porquê do estado atual das personagens.

Lucas Hedges brinda o público com mais um papel excelente: bem construído pelo texto e interpretado de forma passional, Ben funciona, do ponto de vista estrutural, como antagonista e como foco da protagonista. A função principal cabe a Julia Roberts, ótima no papel de Holly (e com bom entrosamento com Hedges), uma mãe talvez exageradamente otimista, mas certamente afetuosa e capaz de tudo pelos filhos. Seu instinto maternal protetor se revela em nível tênue (ao esconder medicamentos e joias em casa) e de maneira agressiva (quando conversa com um médico em idade avançada), um perfil coerente ao qual Roberts imprime grande verossimilhança. Como resultado, a identificação cinematográfica secundária com Holly é facilitada, ou seja, é inafastável a empatia com essa mãe esperançosa e amorosa. A maneira pela qual trata Ben é fundamental para evitar simplismo em relação a ele, que deixa de ser vilão para a família e se torna vítima de si mesmo.

O script é bastante preocupado em evitar o maniqueísmo, em especial com Ivy e Neal. A primeira é a irmã de Ben, que se divide internamente entre a raiva e a compaixão. Por vezes, ela parece arrogante e manifesta um rancor desmedido em relação ao irmão (delatando-o ao dar comida para o cachorro e comunicando Neal quando ele chega em casa), porém o conflito fica claro em diversas atitudes da moça (como ao ajudá-lo quando ele surta no ático ou ao aconselhar a mãe com um “vá” mudo). A conclusão é que ela apenas quer proteger quem ama. Neal, por outro lado, chega muito perto da unidimensionalidade em razão da intransigência relativa a Ben, chamando-o de “o viciado” e não o querendo em casa. Entretanto, uma fala de Holly mostra ao garoto que seu padrasto não é ruim como ele pensa.

Na direção, Peter Hedges não é tão inspirado quanto no roteiro. O cineasta dá bom ritmo à película e insere naturalidade nas elipses – é perceptível a passagem das horas em razão do visual dos cenários abertos (a passagem dia-noite-dia), tendo como resultado a intensificação do drama de Holly -, contudo não usa recursos capazes de potencializar o roteiro (exceto pela montagem paralela do início e o plano holandês em uma das cenas mais tensas). Enquanto Hedges acerta no ponto de vista adotado (quase sempre o espectador fica na perspectiva nebulosa de Holly), cria uma estética monotônica e sem energia, equivocando-se em elementos pontuais da produção (como na cena do cemitério, cuja fugacidade mina a intensidade).

O retorno de Ben” não é um drama sensacionalista ou apelativo. O filme não apenas conta com momentos ternos (por exemplo, quando os irmãos pequenos de Ben encostam nele para assistir à televisão), mas dá vivacidade às personagens e ao plot – no primeiro caso, representado pela devoção da mãe em relação ao filho vulnerável; no segundo, ao criar um suspense que rende tensão à narrativa. Com um roteiro bem fechado e atuações eficientes, o longa é tocante no que não poderia deixar de ser: na sua humanidade.