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“OS VINGADORES” – Uma experiência de alívio

O cinema, que tão frequentemente se aventura pelo irreal, constantemente renuncia a uma realidade que considera difícil demais de ser engolida” (Jean-Claude Carrière).

Com doses cavalares de piadas e lutas, o filme OS VINGADORES é uma excelente diversão escapista para os momentos de descanso do cérebro. Na trama, depois dos eventos de “Thor”, Loki retorna à Terra com o objetivo de se tornar soberano do planeta. O deus da trapaça recebe a ajuda dos chitauri, alienígenas que prometem lhe dar um exército, desde que ele, em troca, forneça o Tesseract, artefato de poderes ainda enigmáticos. Para enfrentar a ameaça, Nick Fury reúne pessoas de diferentes perfis cujas habilidades especiais podem salvar o planeta da ameaça. Escapismo puro!

Tratando-se de uma adaptação de histórias em quadrinhos, não se extrai muita substância do roteiro do longa – ao menos para além da luta “bem versus mal” e “unidos, venceremos”. Não é essa proposta e não faz sentido exigir muito conteúdo da película. Partindo dessa premissa e tendo como ambição a megalomania inerente ao argumento do plot, o que Joss Whedon oferece é uma direção competente. Afinal, a reunião de super-heróis poderosíssimos é tida como um valor em si mesmo, sendo difícil equilibrar o espaço de todos eles. Ainda que alguns (como Homem de Ferro) recebam maior espaço que outros (como Thor), Whedon se esforça para permitir que todos apareçam. A Viúva Negra, por exemplo, dificilmente chamaria a atenção enquanto heroína, mas consegue protagonizar duas cenas que são suficientes para que a personagem da ótima Scarlett Johansson brilhe: a primeira tem um plot twist seguido de uma luta bem coreografada (são dela as melhores lutas, pela inventividade dos movimentos); a segunda é semelhante na reviravolta, todavia não tem a adrenalina.

Nos dois exemplos mencionados, um elemento em comum: o humor. Recheadíssimo de piadas, “Os Vingadores” flerta com o perigo de perder a credibilidade em razão do humor exacerbado. Não há dúvida que o “gênio, bilionário, playboy e filantropo” Tony Stark, interpretado pelo inigualável Robert Downey Jr., seja um humorista nato. Mesmo que o Capitão América do convincente Chris Evans se esforce para fazer piadas com as referências, ninguém supera a língua ácida do Homem de Ferro – sequer gags genuinamente engraçadas, como quando Loki é qualificado como “deus fraco”. O problema, ressalta-se, é o excesso de brincadeiras e piadas, perturbando a suspensão da descrença: se o perigo fosse tangível, não permitiria a ironização constante. Poderia um monstro gigantesco deixar um super-herói tão tranquilo a ponto de qualificá-lo como uma festa? A importância disso é que o final se torna previsível: se as personagens não temem a ameaça, por que o público traria esse temor para si?

Com cenas desnecessárias (por que Thor aparece “convocando” raios no meio de um gramado?), há fan service igualmente descartável, como na luta entre Thor e Homem de Ferro (cujo encerramento é um descalabro), que não tem propósito narrativo. Entretanto, enquanto diretor, Whedon tem momentos inspirados: o CGI no Hulk é muito bom (principalmente ao preservar as características faciais de Mark Ruffalo), há um spinning shot épico com todos os heróis ao som da música-tema – a trilha sonora transmite eficazmente o heroísmo do grupo (e “Shot to thrill”, da AC/DC, inegavelmente combina com Stark) -, o uso de plongées e contre-plongées é acertado (o que Loki está no alto da Torre Stark é deslumbrante) e o plano-sequência da batalha final é maravilhoso. Considerando o objetivo de empolgar o espectador, os recursos têm um resultado espetacular.

Ainda do ponto de vista técnico, o figurino é bem pensado: antes da ação intensificar, Steve aparece com roupas mais discretas (leia-se, com cores menos vibrantes) e tradicionais (o que inclui uma camisa xadrez com calça social, destoando dos colegas), depois, abraça o azul que lhe é característico; Stark é expressivo na também discreta camiseta homenageando a Black Sabbath; Thor, como herói clássico que é, não dispensa uma capa; e a Viúva Negra é sensualizada ao máximo com um macacão preto de couro e coldre na coxa.

O roteiro não dispensa o clichê da estratégia de ganhar tempo, que o próprio vilão ironiza – aliás, Tom Hiddleston é uma das maiores virtudes do longa: Loki encanta com um discurso de agressividade intelectual (a metáfora da formiga e da bota é sagaz) e de ideologia coerente, sem contar a interpretação charmosa e divertida que o ator dá ao antagonista, tirando uma sarcástica provocação de um singelo sorriso. A estratégia de colocar os Vingadores uns contra os outros não é criativa, contudo esse problema, evidentemente, é do texto. Mesmo reconhecendo as limitações do script, ele é coeso e mantém a harmonia dentro do Universo Cinematográfico Marvel, o que pode não ser tão fácil quanto parece.

Mesmo reconhecendo as falhas, o entusiasmo é natural com uma proposta tão grandiosa. Cabe então refletir: em um mundo real onde ditaduras (concretas ou fictas) subsistem, onde a sede de poder justifica atrocidades e onde guerras são travadas sem heróis para defender a humanidade, abraçar o irreal não é tão difícil. Pelo contrário, pode ser uma experiência de alívio – nem que seja um alívio cômico.