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“PAPILLON” – Nem precisou atualizar

Obs.: esta crítica se refere ao remake de 2017. Para ler a crítica do original de 1973, clique aqui.

É difícil reconstruir uma obra consagrada, menos ainda quando ela é marcada por basear-se em fatos reais. Isso não impediu Ram Bergman de produzir um remake para PAPILLON, o que se justifica apenas para popularizar, entre as novas gerações, uma história atemporal.

No filme, Papillon é um homem que procura se dar bem praticando pequenos crimes patrimoniais, beneficiando também a sua namorada Nenette. Certo dia, é responsabilizado por um assassinato do qual não teve culpa, resultado da trama de um desafeto. Sentenciado a cumprir prisão perpétua na Guiana Francesa, conhece Louis Dega, outro condenado, cujo dinheiro pode ajudar Papillon a fugir.

A primeira grande diferença do remake em relação ao anterior se extrai da sinopse: o roteiro de Aaron Guzikowski é preocupado em fornecer o backstory do protagonista, algo que Dalton Trumbo e Lorenzo Semple Jr. não se preocuparam (propositadamente, é claro) ao escrever o roteiro do filme de 1973. O que se tem é uma introdução rápida, mas bem eficaz. Há outros acertos no novo roteiro, focado em melhorar as poucas falhas do anterior. Assim, o terço final é muito superior no terço final (principalmente pelo ritmo), pois a parte enfadonha posterior ao barco é sintetizada ao máximo. Personagens secundárias foram retiradas e uma nova personagem é adicionada.

Aplicando o modelo actancial de Greimas ao script, Papillon continua sendo o sujeito (e destinatário); a liberdade, o objeto; e Dega o ajudante. Porém, a liberdade deixa de ser o destinador, papel assumido por Nenette: embora a liberdade seja um valor motivante por si mesmo, agora, Papillon tem um motivo a mais para querer sair da ilha. A nova personagem mencionada atua como um novo oponente. Nesse sentido, o roteiro se torna robusto. Dega é uma das personagens que mais se beneficiou no texto, tornando-se um artista e alguém claramente mais sensível. No entanto, as mensagens sutis deixadas por Trumbo e Semple Jr. são atenuadas: Maturette, que tem função narrativa diminuta, mas simbolicamente significativo, é uma personagem muito mais fria e unidimensional; a importância do dinheiro também é diminuta. A rigor, se há um aquilatamento narrativo, há um enfraquecimento discursivo.

Charlie Hunnam é um Papillon que vive momentos bem distintos, iniciando como um galã até chegar à fragilidade de um injustiçado fisicamente quebrado, mas mentalmente são. É impressionante o estágio de magreza a que o ator chegou para o papel, o que fica bem visível quando a personagem se exercita na cela. O ápice da sua atuação reside em um sorriso, com seu rosto filmado em close, quando come um coco, cena em que o alívio é tão vivaz que parece sair da tela e chegar ao espectador. Como em 1973, a caracterização de Papillon pós-reclusão é falha. Rami Malek convence como o franzino Dega, mas não consegue, a despeito de ter material, transmitir muitos sentimentos.

É na direção que “Papillon” mais peca: Michael Noer até tem seus insights – como a escada em formato espiral que o protagonista sobe, símbolo visual de que não há saída de onde ele está -, todavia as imagens reais no fim acabam sendo a melhor ideia original. O jovem diretor dinamarquês constantemente opta por simular (para não dizer repetir) a versão antiga ao invés de apostar na originalidade (o figurino, por exemplo, é bastante copiado). Quando tenta ser criativo, em geral, saem dois resultados: ou é enfatizado o lado bruto da película (principalmente por ter mais violência) – o que não é necessariamente ruim -, ou a substituição é inferior. No primeiro caso, exemplo claro ocorre quando Dega precisa ir ao banheiro para pegar dinheiro (o que surpreende pelo despudor); no segundo, a filmagem da cela sem o inteligente plongée e mediante um exagero de cortes perde muito no simbolismo.

Eventualmente, contudo, a criatividade merece elogios, com destaque ao delírio de Papillon, quando recluso, que vislumbra Dega como um mímico – cena cujo significado é a lesão implosiva do silêncio do cárcere. A própria cela tem uma melhora, com paredes um pouco mais claras, riscadas (dando maior verossimilhança) e com algumas rachaduras. A tecnologia foi benéfica no momento em que o protagonista fica sem luz, pois a iluminação fria utilizada é bastante eficiente e crível.

A história de Papillon é tão atemporal que o remake não precisou atualizar quase nada. No que repete a versão anterior, trata-se de um reflexo do ocaso criativo hollywoodiano; no que tenta inovar, acerta pouco. A coesão do roteiro, eliminando pontas soltas que possam ter sido deixadas para quem não leu o livro (tanto no início quanto no fim), quase justifica a refilmagem. Mas dizer que uma nova versão é necessária significaria dizer que a primeira deixou a desejar, o que não é o caso.