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“POKÉMON: DETETIVE PIKACHU” – Uma certa ousadia

Com fan service que respeita os cânones, mas sem ignorar a necessidade de uma trama minimamente criativa, POKÉMON: DETETIVE PIKACHU é um baita acerto dos estúdios Warner. Não é um filme digno de premiações e talvez nem seja inesquecível. Porém, é dotado de um elemento cada vez menos comum no cinema: originalidade.

O enredo do longa parte de um drama e logo aposta em um mistério: após o falecimento de seu pai, Tim vai à cidade onde ele morava para saber as circunstâncias da morte. No local, encontra um Pikachu falante, pokémon detetive que propõe investigarem o fato. Além de desenvolverem uma amizade, Tim e Pikachu descobrem que o convívio pacífico entre humanos e pokémon* está em risco.

Cartaz de “Pokémon: detetive Pikachu

Escrito por Rob Letterman, Dan Hernandez, Benji Samit e Derek Connolly a partir da ideia original de Nicole Perlman, o roteiro usa como incidente incitante um drama deveras raso e que não funciona quanto à carga dramática, mas é suficiente como mola propulsora da trama. No aspecto dramático, o plot é aquém do desejável, explorando superficialmente o backstory de Tim. Tratando-se, todavia, de uma comédia de ação, não causa surpresa a falha do lado “sério” da película.

Comparando os dois enfoques do longa, a ação é melhor que a comédia. Em parte, o humor é prejudicado pela dublagem brasileira**: esta não é ruim, mas perde naturalmente pelas piadas que só faziam sentido em inglês (e a adaptação para qualquer outra língua pode, eventualmente, ser inviável), além disso, o já conhecido timing cômico de Ryan Reynolds, que dubla o Pikachu falante, não é bem substituído na versão brasileira (a entonação vocal é boa, mas não o ritmo). Reynolds também interpretou através de captura de movimentos para as expressões faciais, com desempenho irretocável.

Pela presença de Reynolds, é de se esperar uma comédia vulgar ao estilo “Deadpool”. De fato, existem piadas de duplo sentido e humor estúpido como quando o protagonista tem a calça arrancada. Nem todas as piadas funcionam e o longa está distante de ser hilário. Porém, para um público-alvo infantil, o material é farto; para os adultos, é possível retirar algumas risadas. Ressalte-se que o viés adulto da comédia até existe (como quando Pikachu percebe um detalhe na cama de Tim), mas é diminuto. Na criação de personagens, suas personalidades são modestas: Tim é interessante apenas pelo ótimo Justice Smith, Kathryn Newton destoa por viver uma personagem caricata, os demais não têm muito destaque. Smith vai melhor na comédia que no drama, desdobramento lógico do próprio texto.

Há no script um subtexto de engenharia e manipulação genéticas, entretanto nada disso recebe aprofundamento crítico – nem seria essa a ideia. Recheado de referências ao cânone (o próprio enfoque em Pikachu e Psyduck como parceiros de um casal platônico já o é), a narrativa se sustenta bem pela sua coesão, independentemente da previsibilidade em alguns aspectos (alguns plot twists, contudo, talvez possam surpreender). Um grande acerto do texto é dispensar grandes explicações: quando elas existem, estão lá de maneira orgânica (por exemplo, no trem que Tim pega para a cidade onde o pai morava), enquanto que, em relação ao universo diegético, a presença comum dos pokémon convivendo com humanos se vislumbra através de establishing shots ou cenas ilustrativas (como a de Tim ao lado do amigo).

A direção de Rob Letterman capta bem o espírito da obra, atribuindo-lhe leveza e naturalidade. Isso inclui o design de produção de Nigel Phelps, que insere pokémon até mesmo como figurantes – alguns têm maior destaque que outros, mas inúmeros estão lá apenas como adereços cênicos. Quando necessário, o filme é mais enfático em aspectos visuais, como no cenário criado para o quarto de Tim (sugerindo um fanatismo deste pelas criaturas quando criança) e no próprio chapéu usado pelo Pikachu. Quanto a este, a referência a filmes noir é instigante, mas não muito explorada na fotografia de John Mathieson.

Um dos maiores trunfos da película reside nos efeitos visuais: não há compromisso com um visual plenamente natural, mas também a estética não é artificial. Nesse meio-termo, o problema surge nos planos abertos, quando os pokémon aparentam ser digitais em demasia (é óbvio que foram inseridos na pós-produção, porém um pouco mais de realidade seria benéfica). Por outro lado, impressiona a riqueza de detalhes nos planos fechados, que não dispensam pormenores (pelagem, escamas, olhos vívidos, movimentação quando se deslocam etc.) – o resultado, nesse caso, é uma aparência formidável. Também os hologramas merecem elogios, não apenas pela qualidade técnica, mas também pelo uso engenhoso (seguindo a regra conhecida como “show, don’t tell” – em tradução livre, “mostre, não conte”).

Para quem espera batalhas empolgantes, “Pokémon: detetive Pikachu” pode ser uma decepção (mas para isso já existem os jogos). Provavelmente, o filme não é muito mais que uma diversão escapista descompromissada com reflexões ou emoções construtivas. Mas talvez seja esse o seu grande mérito: sem grandes ambições, a produção é inovadora o suficiente para aproveitar bem um universo que, não à toa, se tornou fenômeno mundial há alguns anos.

Não parece exagero afirmar que houve uma certa ousadia nesse descompromisso com voos maiores, pois fazer o básico não é tão fácil quanto parece. Quando incrementado com uma personalidade própria, diferente de quase tudo que já foi feito – comparável, no máximo, aos buddy cop movies (mas misturando fantasia) -, o resultado não é tão básico quanto parece.

* Ficou mantida a versão adotada na dublagem segundo a qual a palavra Pokémon vale para o singular e para o plural.

** A imensa maioria das salas de cinema nacionais receberão o filme na versão dublada.