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“PROJETO GEMINI” – Oferece pouco

Antes de iniciar a sessão para a imprensa, a Paramount fornece um informe acerca do 3D+. Dentre outros dados, constava que “3D+ é um formato digital evolutivo de projeção a 60 quadros por segundo – mais que o dobro da taxa tradicional de quadros do cinema (24 quadros) – dando ao público uma experiência em 3D amplificada e totalmente imersiva”. Ainda antes da sessão, uma surpresa: o filme não seria exibido em 3D+, mas em 3D “comum”. Ao seu final, uma constatação: tecnologia alguma faria de PROJETO GEMINI um filme bom.

O protagonista do longa, Henry, é um excelente assassino treinado pelo governo estadunidense. Quando ele descobre informações sigilosas que não poderia saber, seus superiores decidem eliminá-lo, tarefa que fica a cargo de uma versão sua mais jovem e mais subordinada – seu clone.

Falar de clonagem humana em 2019 – ao menos com a abordagem rasa do filme – implica inafastável anacronismo, já que o debate foi intenso em meados da década de 1990 (talvez o tema retorne no futuro, mas certamente o timing da produção é ruim). Quando Henry pergunta por que ele foi clonado ao invés de alguém como Nelson Mandela, a resposta é óbvia (e é dada por outra personagem): porque inovações com potencial bélico são usadas para fins bélicos.

Cartaz de “Projeto Gemini

Em tese, é possível que a ideia original de Darren Lemke e David Benioff tenha sido distinta daquela aplicada por eles no roteiro final, coescrito com Billy Ray. Não obstante, o resultado final talvez até permita ilações sobre eugenia, mas certamente não provoca uma reflexão densa no campo da bioética. Na perspectiva do filme, seres humanos são emotivos e falíveis, mas é justamente isso que os torna humanos, razão pela qual o aprimoramento genético é maléfico. A rigor, o ponto de vista do vilão (de que isso pouparia os humanos “originais”) acaba sendo mais convincente, tamanha a superficialidade na abordagem do assunto.

De forma periférica, o roteiro aborda a honestidade na relação entre pais e filhos e a possibilidade de redirecionamento da própria vida. Na prática, é o vilão vivido por Clive Owen que dá maiores camadas ao script, ao menos possibilitando reflexões – já que, do outro lado, o protagonista de Will Smith não poderia ser mais simplista e clichê. Enquanto Owen interpreta unidimensionalmente seu papel (a personagem não é unidimensional, mas sim o trabalho interpretativo, que sugere indiferença em relação a quaisquer males eventualmente causados), enquanto Smith se esforça para diferenciar Henry de seu clone (e o resultado é aceitável). Apesar do pouco tempo de tela e da redução a alívio cômico (quando não a engrenagem narrativa facilitadora), Benedict Wong é um dos melhores, juntamente de Mary Elizabeth Winstead, que tem bom desempenho a despeito de viver uma personagem narrativamente inútil (tanto quanto burocratas da agência na qual Henry trabalha).

É decepcionante que, depois de obras como o tocante “Razão e sensibilidade”, o fantástico “O tigre e o dragão”, o maravilhoso “O segredo de Brokeback Mountain” e o sensitivo (ainda que divisivo) “As aventuras de Pi”, um renomado cineasta como Ang Lee aceite conduzir uma produção frágil como “Projeto Gemini”. Do ponto de vista imagético, não se pode negar que o trabalho é muitíssimo bem feito (planos-sequência em perseguição, uso de lente grande-angular para que um trem caiba inteiro no plano e próximo da câmera, ocularização subjetiva com óculos de visão noturna para a imersão do espectador, slow motion em momentos-chave da ação e CGI ótimo), ainda que não impecável (os planos escuros e fechados em uma cena de luta prejudicam a visualização da coreografia e o uso de maior profundidade de campo favoreceria mais a tecnologia 3D). 

Ang Lee é um grande diretor fracassando na missão inexequível de extrair substância de uma embalagem vazia – uma embalagem lustrosa, feita por ele mesmo. Entretanto, de nada adianta uma estética esplendorosa se o conteúdo é o apresentado. Não se trata apenas da escolha do tema, mas de inconsistências variadas: personagens dispensáveis (Lassiter, por exemplo), inverossimilhanças (como o movimento horizontal do trem interfere verticalmente no tiro de Henry? O que o motivou a querer paz agora – e não antes? O quase erro no tiro teria sido a primeira vez? Danny coleciona dentes de quem ela tortura?), clichês (o desenrolar da trama, além do próprio plot) e um final piegas. Diante de tantos defeitos, a suspensão da descrença quase soa razoável (até porque é comum em filmes semelhantes).

De certa forma, faz sentido que a tecnologia 3D+ tenha sido objeto da mais intensa publicidade de “Projeto Gemini”. O filme não tem mais nada – ao menos nada criativo – a oferecer (por exemplo, a tecnologia de rejuvenescimento usada em Will Smith é muito boa, é empregada até mesmo em seu timbre vocal, que fica mais fino, mas está longe de ser novidade). Teria sido melhor poupar o público de sessões 3D normais ou 2D.