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“QUEM VOCÊ LEVARIA PARA UMA ILHA DESERTA?” – O futuro bate à porta

O título do novo filme original Netflix pode ser enganoso para o público desavisado. QUEM VOCÊ LEVARIA PARA UMA ILHA DESERTA? não é uma comédia juvenil de estilo sensual (apesar de cenas de nudez e dos relacionamentos amorosos retratados) como pode sugerir à primeira vista. Trata-se, na realidade, de uma drama sobre as expectativas para o futuro, o que será feito dele e com quem será possível partilhar os novos tempos que estão por vir. Essa carga dramática, entretanto, oscila entre alguns acertos e muitas deficiências.

Cartaz de “Quem você levaria para uma ilha deserta?”

O roteiro, portanto, trabalha as questões relativas aos anseios pelo futuro e como o presente pode ser preparado para as novos planos de uma vida melhor. O tema se desenvolve a partir da última noite em que quatro jovens amigos de longa data passam juntos no apartamento onde moram na Espanha: os namorados Marcos e Marta e seus colegas Eze e Celeste; enquanto celebram os últimos momentos próximos antes de se mudarem e de começarem em novas profissões, um segredo é revelado que abala a relação entre eles.    

Nos primeiros minutos da projeção, os quatro personagens são apresentados: Marcos é estudante de medicina e está prestes a se mudar para outra cidade espanhola, ao lado da namorada Marta que passará a ensinar balé a crianças; Eze viajará para Londres onde planeja estudar cinema e dar vida aos seus roteiros já escritos; e Celeste se tornará sócia de um novo restaurante, deixando de lado seu sonho de ser atriz. Durante boa parte desse período, a ação se passa em um dos dias mais quentes dos últimos anos na Espanha (a temperatura ultrapassa os 30º). Esteticamente, é possível sentir o forte calor através do suor constante e da pele bronzeada artificialmente dos atores, do consumo contínuo de água e da iluminação feita com filtros alaranjados sobre cômodos escuros ou da entrada de raios solares no apartamento. O único e grande problema em relação a essa ambientação é a falta de uma justificativa narrativa para a temperatura elevada (se o filme se passasse em uma dia de inverno rigoroso, não haveria diferença).

Os últimos momentos em que os amigos estão juntos antes de partirem por direções distintas na vida, inicialmente, são bem explorados pela narrativa. As dúvidas em relação ao sucesso em novos projetos, a saudade dos companheiros, as memórias acumuladas na antiga moradia e o significado de seus relacionamentos são assuntos bem apresentados no primeiro ato. Tais discussões são feitas dividindo os personagens em dois blocos: Marcos e Marta com as questões próprias do casal e Eze e Celeste com suas expectativas de futuro e um interesse amoroso mal resolvido entre eles. Ao longo do avanço da produção, as subtramas carecem de um desenvolvimento efetivo dos personagens, já que pouco se sabe sobre suas personalidades, seus backgrounds e a dinâmica da vida compartilhada na mesma residência – inclusive, Eze é descrito como um sujeito solitário, amargurado e inseguro de seus roteiros não através de cenas que mostrem essas características, mas através de uma fala de Celeste.   

No segundo ato, o conflito central é colocado a partir de uma brincadeira inocente proposta por Celeste, após voltarem de uma festa em que consumiram álcool e drogas: dizer quem levariam para uma ilha deserta se o mundo fosse destruído. O jogo, aparentemente bobo e inofensivo, faz emergir ressentimentos e segredos ocultos dos personagens, que envolvem brigas mal resolvidas, sentimentos escondidos, expectativas não alcançadas e personalidades conflitantes. O problema em acompanhar e sentir aquelas divergências está no fato de que as informações caem de paraquedas sem preparação ou pistas anteriores, o que dificulta a identificação com os personagens e seus dilemas. Dessa forma, o público se torna uma plateia fria e distante que não compreende a origem, os motivos e o sentido dos embates.

Apesar das falhas no envolvimento dramático, o diretor constrói bem a crescente tensão, que se inicia com uma brincadeira e comentários inocentes e logo se transforma em discussões acaloradas. A câmera de Jota Linares passeia de forma muito próxima pelos personagens e coloca o espectador dentro das brigas (mesmo sem entendê-las por deficiências do roteiro), recortando-as também em núcleos distintos: as discussões, geralmente, acontecem em duplas alternadas até que todos estejam indignados uns com os outros. Ainda assim, o diretor também comete erros na filmagem dessas sequências, exemplificados por closes problemáticos que não enquadram o rosto dos atores, mas sim seus lábios ou nem isso, devido ao tremor da câmera.

De maneira geral, Pol Monen, Jaime Lorente, Andrea Ros e María Pedraza têm boas atuações, guardadas as devidas limitações impostas por um roteiro que cria apenas personagens sem tantas camadas específicas. Os atores, então, conseguem transmitir a perda da esperança e a crescente frustração com seu futuro e seus amigos mesmo interpretando indivíduos genéricos. A trajetória dramática pela qual eles passam os levam a um epílogo em que aprendem como o futuro não é algo sob seu inteiro controle, a despeito da quantidade de planos que se façam, e como os ressentimentos de uma vida marcam continuamente, apesar de sua supervalorização. Como se percebe, “Quem você levaria para uma ilha deserta?” tem momentos inspirados, mas também a incapacidade de se manter afinado com a proposta interessante que oferece.